Estávamos em 1990. Os Stones Roses tinham lançado o seu primeiro álbum um ano antes. Na Hacienda de Madchester dançava-se ao ritmo de pastilhas e ao som de New Order e de Happy Mondays, de Shamen e de Inspiral Carpets, de Primal Scream pré-Screamadelica. No resto do mundo, ouvia-se Nirvana como se fosse a última esperança de uma geração - e eram, e foram, mas ainda andamos por cá. O grunge era o digestivo de um juventude consumista em fúria; o house, o tecno e o som de Madchester a refeição pantagruélica do hedonismo de quem preferia esquecer a raiva e a fúria. A Inglaterra precisava de uma Terceira Via. Os herdeiros da melancolia indie dos anos 80, das bandas da 4AD, dos sons etéreos (o cliché) dos Cocteau Twins ou dos This Mortal Coil. Os que recusavam olhar o mundo deferente, preferindo fixar o olhar nos sapatos que calçavam durante os concertos. A onda shoegazer surgia, subterrânea, com muita pretensão existencial e algum lirismo sonoro. As guitarras planando sobre vozes sussurradas, bateria em fundo quase silencioso, alguns sintetizadores. Uma pose que era uma atitude, uma atmosfera que aspirava a ser um sonho musical de adolescentes perdidos à entrada para a vida adulta. My Bloody Valentine, Ride, Slowdive. Mas também Swervedriver, Moose, Drop Nineteens (criadores do fabuloso Winona, homenagem ao ícone indie do filme Reality Bites). Os 4Adianos Lush. Mais tarde, os herdeiros Spiritualized. Quem conseguisse ouvir estas bandas fora de Inglaterra poderia considerar-se um afortunado. Eu fui. Havia um tipo na minha faculdade que usava uma t-shirt com a imagem do palhaço da capa de Going Blank Again. Seria difícil ser mais cool do que aquilo, achava eu (por onde andará?).
Os anos passaram. Deixei de ouvir shoegazing. No final dos anos 90, uma banda de Leiria (o antro alternativo daquela década), os Phase, tentaram recriar este som. Niguém na altura soube quem eram (entretanto o guitarrista, Ricardo Fiel, está na banda de David Fonseca). Voltei, e o mundo comigo, a ouvir falar deste som Sofia Copolla. Depois de ter convidado outra banda etérea, os Air, para comporem a banda-sonora de Virgens Suicidas, pediu a Kevin Shields, o mentor dos My Bloody Valentine, para criar o som de Lost in Translation. Renascia o gosto pela melancolia, um desencanto juvenil desembocando uma vida adulta. Um estilo. Nesse ano, 2003, é editada uma compilação com bandas shoegazing, de 1990 a 1992 (a brevidade é a chave do movimento). Feedback to the Future é o nome da compilação. O feedback das guitarras mais um futuro que parecia não poder existir. Sem os My Bloody Valentine (porque não quiseram particpiar), sem os Verve, que na sua primeira versão eram shoegazers, mas com todos os outros. Depois, fogachos daquele som, numa ou noutra banda - os Sigúr Ros são os mais conhecidos. E para quando um regresso ao futuro?
Feedback to the Future - a Compilation of eleven shoegazing songs from 1990-1992. Edição Mobilé.A música dos Slowdive é, quem sabe, a melhor do álbum. O esplendor da melancolia em forma musical.
- Publicado inicialmente no Arrastão -
- Publicado inicialmente no Arrastão -
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