07/06/11

Liberdade

Há nos dois livros (Correcções e Liberdade) do "grande romancista americano" uma competência burocrática que mimetiza a perfeição de um bom escriturário. Esta frase só seria um elogio se falássemos de um verdadeiro escriturário que se dedicasse à escrita, como Kafka ou Pessoa. Agora, um escritor a tempo inteiro que faz trabalho de escriturário desperdiça o talento em coisas menores, como por exemplo chegar a uma "vasta audiência". E os heróis de Franzen (como os de James Wood) nunca chegaram a essa "vasta audiência"; Henry James, Flaubert, Tolstoy eram conhecidos, no seu tempo. Mas terão chegado a uma "vasta audiência", tendo em conta as taxas de literacia da época? É esse o engodo de Franzen, é isso que o afasta demasiado do génio de DeLillo ou Salinger para o aproximar da mestria previsível de Stephen King. E isso é uma lástima, o escritor em potência derrotado por uma ideia de romance realista* que ele em tempos defendeu num célebre ensaio-manifesto, Perchance to Dream. As intenções defraudando uma obra. Tipicamente americano. A cicatriz do crítico torna-se demasiado visível. Ainda assim, há tanta, tanta página memorável em Liberdade. Talvez o próximo seja de facto o "grande romance americano".

*Romance realista desdenhado pelo seu grande amigo David Foster Wallace, de quem vou digerindo os ensaios antes da investida na ficção, tarefa hercúlea. Inventividade e ironia, claro, como Franzen, mas não em versão condensada, para donas-de-casa espectadoras da Oprah. O que leva a outra curiosidade relevante: a Patty de Liberdade corresponderá ao estereótipo da leitora média de Franzen, as conquistadas pelo elogio fácil de Oprah. Franze é demasiado inteligente para não ter criado a personagem de forma deliberada; e é também suficientemente perspicaz para esboçar um Walter próximo de si, um alter-ego alternativo, uma sombra num universo falhado, o idealista literato e pretensioso em que Franzen se poderia ter tornado. Mas a "leitora média" não precisa de saber isto: a saga de uma geração falhada é único espelho necessário. Eficaz e extraordinariamente cínico. Qualidades nunca desprezíveis.
E Foster Wallace não tem amor pelos seres que inventa. Um ponto a favor. Vamos ver o resto.

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