11/06/11

Engano e preconceito

Cheguei a este questionário Naipaul através do Luís M. Jorge e, partindo do pressuposto de que a credibilidade do teste está acima de qualquer suspeita, posso afirmar que tenho algum olho para distinguir as linhas escritas por mulheres das que são escritas por homens. Acertei 8 em 10, e posso dizer que o fiz com método. Achei que a pessoa que decidiu fazer o teste - uma mulher, provavelmente* - escolheu frases de romances que conduzissem à sabotagem dos preconceitos de quem lê, assim se provando que a tese de Naipaul está, para além de qualquer dúvida, errada. Descrições físicas de homens, por exemplo, atenção ao pormenor ou preocupações comezinhas das personagens são, quase sempre, itens bastante reveladores. Por exemplo: é raro o romance escrito por mulheres com referências à política ou ao desporto. Seria de esperar, portanto, que um teste cujo objectivo seja defraudar as expectativas de quem o faz aproveite este tipo de ideia feita para ser bem sucedido. Há, claro, armadilhas deste tipo. E há um escritor lá pelo meio que tem um modo bastante feminino - minucioso, atento, delicado - de descrever cenários e lugares. Mas, felizmente para mim e infelizmente para o autor do teste, eu reconheci de imediato a obra citada**. 
Há género, na literatura? Não é esta a pergunta que queria fazer, e os milhares de páginas escritas sobre o assunto poderão ser facilmente consultadas ou adquiridas via Internet. Bem podem os críticos oriundos dos gender studies falar em construção de género; sendo o género uma construção social, e não biologicamente determinado, é natural que se consiga, na maior parte dos casos, perceber quando o texto foi escrito por uma mulher***. Parece-se esta afirmação incontestável e assim sendo passo a concluir que o teste Naipaul tem tanto de inútil e idiota como a afirmação do escritor que está na origem da brincadeira. E, de resto, não me posso pronunciar sobre muito mais porque não conheço o escritor. Mas o questionário é giro. E chega.

*Reafirmo o preconceito.

**Da lista de dez livros, li mais dois, mas não os identifiquei a partir dos excertos publicados. Não será por acaso que o único detectado seja um dos livros que eu mais gostei de ler nos últimos dez anos.

***Optar por escrever "mulher" em vez de "homem", nesta frase, revela a importância do auto-controle quando se escreve sobre temas sensíveis com este. Tudo passa por aquela ideia do leitor ideal; que, no meu caso, é uma mulher vagamente feminista e inteligente o suficiente para não apreciar por aí além o que escrevo. A beleza física não cabe neste ideal, é a segunda parte da história.

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