Radiohead - Kid A (2000)
Passados quase dez anos sobre a saída de Kid A, continua a ser impossível encontrar outro disco que defina tão bem esta época. O lado B da euforia mainstream, o anti-pop que vende milhões, a música que antecipa a paranóia e o medo pós-milénio que vivemos. Os Radiohead deixaram de querer canções e conseguiram encontrar estados de espírito - a electrónica sublinha tensões, os ritmos estimulam a disforia, as peças que compõem cada puzzle encaixam mal, mas fazem todo o sentido.
Tudo no seu lugar, como Thom Yorke ensaia na primeira música, um sossego desinquieto, uma espécie de aviso para o que se segue: o robô infantil de Kid A, cantando como se fosse um flautista mecânico de Hamelin, a quem seguimos cegamente; o pseudo-hino insuflado de sopros desconchavados de National Anthem ("what's going on?"); a maravilhosa balada ensimesmada, Everything in its Right Place, um lamento sobre a transparência existencial e a possibilidade de fuga, "isto não está a acontecer", os violinos a sublinhar o desespero; e depois Treefingers, o perturbador interlúdio instrumental que tanto pode ser usado como acompanhamento para meditação como modo de evidenciar a alienação que o resto do álbum provoca, três minutos vindos directamente de 2001, Odisseia no Espaço; o silêncio precede o optimismo, como o DSM-IV avisa, e em Optimistic o ritmo rock acompanha uma letra sobre a distância, no fundo a melhor maneira de esquecer "os abutres que sobrevoam os mortos" e "os peixes maiores que comem os mais pequenos"; mas a bonança dura pouco, o caos regressa em In Limbo, armadilhas a cada passo, o afastamento, o isolamento e a lucidez que ele traz, "i've lost my way"; Idioteque é simultaneamente uma crítica ao vazio (que convoca e critica Discothéque, dos U2) e um princípio de entrega à loucura, quando não resta outra saída que não seja a retirada para um bunker, "here i'm alive/everything all the time". Depois, Morning Bell acentua o desfasamento da realidade - frases deixadas a meio, ideias vagas, e o cândido ritmo da voz de Yorke contrastando com a violência da letra: "Cut the Kids in Half/Cut the Kids in Half" - talvez a melhor música do álbum, perfeita. Para terminar, um som de acordeão transporta-nos finalmente a um porto seguro, e percebemos que apenas a banalidade do quotidiano - "cheap sex and sad films" - nos pode trazer algum conforto - e um simulacro de amor, antes do fim chegar - "I Will See You in the Next Life".
Ouvi este disco dezenas, centenas de vezes, e ainda consigo encontrar coisas em que não reparei antes: os versos têm outro significado, os vários trechos musicais combinam de forma diferente, a sequência em que ouço as diversas faixas muda, e o sentido também. Enquanto uma boa canção pop está ligada quase sempre à repetição, ao passado - de cada vez que a ouvimos, a sensação é quase a mesma - as músicas dos Radiohead questionam - o presente, as ideias sobre o mundo, os clichés musicais que se repetem. A música existencial para principiantes. Para todos.
(vídeo aqui, ao vivo e epiléptico)