Não quero saber se Portugal é um país do primeiro ou do terceiro mundo - se não somos mais do que somos, será por não termos qualidades para isso, e a culpa é de todos, dos que fazem e dos que deixam fazer, dos que erram e dos que deixam errar. Mas irrita-me o complexo de superioridade bacoco sempre que nos comparamos com países que têm mais do que dois índices de desenvolvimento inferiores ao nosso. E o desporto é um terreno propício a estas exibições patéticas que comprovam parte do que os pessimistas afirmam. Aconteceu no recente Portugal-Bósnia um desses fenómenos absurdos - durante a semana que antecedeu o jogo da segunda mão, não houve tablóide ou telejornal que não acicatasse os ânimos da nação, numa espécie de simulacro do entusiasmo que naturalmente aparecia no tempo em que Scolari era treinador da selecção. Carlos Queirós não tem carisma nem está preocupado em tê-lo, se ter carisma significar um apelo a sentimentos nacionalistas ligados a uma competição desportiva - se isto é bom, não interessa, uma vez mais temos o seleccionador que merecemos. Durante essa semana, os jornalistas despiram o seu facto de macaco e tornaram-se adeptos da selecção, hábito antigo, e a conversão teve o seu cúmulo durante a transmissão do jogo na TVI, com o chorrilho de insultos lançado contra a FIFA por ter permitido o jogo num campo em mau estado; contra a Bósnia, por ter marcado o jogo para aquele campo; contra os adeptos, porque estavam a torcer pela sua selecção com um fervor fora do habitual. Nada que não tivéssemos visto antes, em outros jogos, mas com uma nuance decisiva: o tom de superioridade que estes "adeptos" exibiram - no fundo, Portugal é um dos países da União Europeia, e apesar de tudo é mais desenvolvido do que a Bósnia. O contraste entre este discurso pacóvio e o outro, o que é mostrado quando a selecção joga contra equipas de países mais ricos, é acentuado: aí, fala mais alto o nosso complexo de inferioridade, que não passa de um espelho do de superioridade - ainda me lembro da mão de Abel Xavier na meia-final do Europeu de 2000 e do coro indignado que se levantou a propósito da decisão, justa, do árbitro: "se fosse a França, não teria sido marcado". O problema é que a realidade se encarrega sempre de desmentir a imagem que temos de nós próprios. Hoje, uma pequena notícia na secção desportiva do Público confirma esta ideia: dois dirigentes da Federação Bósnia de futebol foram condenados por fraude fiscal e desvio de fundos, e sentenciados a 5 anos de prisão. Ora, pensemos no que aconteceu por cá quando foram empreendidas investigações ligadas ao mundo do futebol: absolvições, sentenças suspensas, penas irrisórias. O F. C. Porto perdeu alguns pontos quando o campeonato já estava ganho, os dirigentes não foram afastados dos cargos; Valentim Loureiro continua a ser reeleito para cargos públicos; Vale e Azevedo desviou milhões e continua a salvo da justiça. E falamos só de futebol. Porque se falarmos do resto, o panorama ainda fede mais: suspeitas de favorecimento, desvio de fundos, corrupção, manipulação de meios de comunicação, etc., etc., etc., aquilo que está na ordem do dia, serve apenas para vender jornais e alimentar a cloaca das notícias. Sentenças definitivas, revelações conclusivas, qualquer coisa que não passe da suspeita, nada, nada se passa.
Afinal, qual é o país do terceiro mundo?
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