13/11/09

If You See Her

Via um episódio da primeira temporada de Californication que nunca tinha apanhado, e que termina com uma bela sequência ao som de Bob Dylan, Hank Moody cantando para a filha uma canção de dor de corno, If You See Her Say Hello, de Blood on the Tracks, atenuando a dor de um desgosto amoroso. Havia uma linha de diálogo: "Pai, esta dor no coração vai passar?" "Se tudo correr bem, não." E por aí fora. A qualidade cinematográfica de algumas séries de agora é evidente. Mas o que mais se destaca são os argumentos, tanto as linhas narrativas como os diálogos. Do sarcasmo socrático de House ao humor negro irónico de Dexter, passando pela qualidade beat de Californication - Los Angeles, a cidade de todos os pecados -, é verdade que as séries de televisão conseguem neste momento oferecer aquilo que o cinema de Hollywood deixou de ter. Vale mais meia hora de um qualquer episódio de Mad Men do que os últimos cinquenta filmes estreados em Portugal saídos da linha de montagem americana. Contrariando a ideia de série enquanto produto semanal consumido e rapidamente descartado, muitos episódios destas séries perduram na memória de modo tão nítido como alguns filmes marcantes dos últimos anos. Lembro-me por exemplo do episódio em que House é baleado - a excelente trip narrativa que é montada -, ou de alguns dilemas morais de Dexter ao cumprir a sua função no mundo, eliminar criminosos.
Voltando a Dylan, pode-se dizer que outra característica desta idade de ouro da ficção televisiva é o modo como as referências culturais definem as personagens - o achado da música dos Rolling Stones como hino de House é o melhor exemplo, mas não faltam outros em todas as séries que refiro. Talvez a minha visão tenha sido deformada por todas as influências que recebi ao longo da vida - quase toda a produção audiovisual veio da América. Poderia afirmar que conheço esse país tão bem como muitos americanos, mas a verdade é que não sei que América é essa que o cinema e televisão me mostram, o que tem ela em comum com a América real, independente das imagens que a recriam. Afirmar que as duas são verdadeiras é uma presunção arriscada, mas dizer que a verdade é apenas o que existe fora da arte produzida é recusar grande parte das fontes de que os historiadores se servem - no futuro, se quisermos saber como se vivia a partir do século XIX, bastará consultar toda a informação audiovisual que se vem acumulando desde a invenção da fotografia. E será menos real, a realidade assim representada?

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