O tema preferido do poeta é quase sempre ele próprio. Ou, se quisermos, o tema que mais se repete em toda a poesia é o poema em si, a razão de sua existência, o lugar no mundo, sobretudo o esplendor da sua importância. Em todo o livro de poesia publicado existe uma "arte poética"; o que isto quer dizer? Poderíamos pensar que este questionamento é compreensível, salutar; mas no fundo o que leva o poeta a reflectir sobre o que está a escrever - o acto da escrita, no presente, é um permanente ziguezague, e não consigo pensar em caminho mais ínvio do que o da auto-reflexividade - é a dúvida. A dúvida, mortal, sobre a validade do texto, sobre o domínio da técnica, sobre a coerência dos temas, sobre a qualidade, a "qualidade" que o poeta deve ter. O problema é que esta dúvida, intrinsecamente litarária, soma-se à maldita dúvida existencial. Já não bastava ao poema sofrer com o mundo, como ainda tem de sofrer com as inseguranças do poeta. É portanto avisado esquecermos aquela coisa romântica do carácter sublime da poesia, a forma literária mais perfeita; a poesia vive da fragilidade, da fraqueza; a pós-modernidade provou como ela é obsoleta. E o poeta, esse ser que recebe o sopro directamente de Deus, é uma espécie em vias de extinção. Por isso, pergunta, o que é isto que eu faço? Poesia é a anti-matéria por excelência, uma inutilidade num mundo marcado pela supremacia do utilitarismo e da técnica. O poeta pode sempre escolher a via new-age: não podendo provar como é necessário ao mundo, mantém-se à margem dele, cultivando a distância e curtindo o ressentimento dos abnegados. Mas até esta margem é ilusória; o presente integrou as franjas da sociedade no seu corpo, não há lugar para poetas malditos. E os poetas que se dizem malditos podem dar-se ao luxo de fingir: os prazeres da burguesia são sempre uma boa desculpa para escrever poesia.
Mas alegremo-nos: as discussões sobre o vazio são sempre as que melhor nos conseguem esclarecer sobre a natureza humana. A "arte poética", brilhante e solipsista, é a prova da inutilidade da poesia. Mas como poderemos nós destruir o que é simplesmente belo?
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