04/05/09

Distant Voices, Still Lives



Distant Voices, Still Lives é um daqueles filmes (um díptico, para sermos exactos) que parecem esperar pelo momento em que os descobrimos; uma surpresa, um deslumbramento imediato, levando-nos a pensar por que razão ainda não tinha chegado a nós. Ou então a série de acasos é ilusória - todo o bem que dizem desta obra simplesmente passara até agora despercebido.
Um filme sobre a memória - e não são todos? A imagem cinematográfica captura o presente, mas como recuperar um passado que nenhuma imagem guardou? A reinvenção é a única possibilidade. O filme é um longo sonho sobre uma vida que o realizador, Terence Davies, imagina ter vivido. Liverpoool nos anos 60, os lampejos de realismo britânico, a biografia que tece o fio narrativo - pretextos para uma tentativa de reconstrução de um mundo em perda; recuperar as ruínas. Um sonho, insisto, e quando a câmara, em lento travelling da direita para a esquerda, abandona o presente, não é apenas o espaço que fica vazio, também o tempo; o olhar de Davies foca-se numa ausência, num vazio, e no seu lugar apenas sombras restam. 
O cinema permite que o tempo se detenha na sua voracidade; a fragmentação da memória é como um conjunto de estilhaços disparado em várias direcções (a fabulosa cena do vidro a partir-se é essencial) e no final apenas podemos esperar que o tempo se reorganize respeitando uma ordem afectiva - a casa, a luz, as canções, as histórias, território repovoado, intervalos desordenadamente preenchidos.
Deve ser esta a imobilidade fulminante de que falava António Ramos Rosa.

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