Quem ama o seu trabalho arrisca-se a ser o melhor no que faz; mais ainda se o que fizer for a paixão de uma vida. Para João Bénard da Costa, passar os dias na Cinemateca era viver - dizia-o em entrevistas - ver filmes era viver, falar sobre cinema era viver. Ter tido um homem como ele a dirigir uma instituição como a Cinemateca foi um golpe de sorte, um acto divino, uma excepção à mediocridade reinante. Gerações de cinéfilos devem-lhe muito, quase tudo; realizadores, críticos, nós que o lemos e que, em maior ou menor grau, adoramos os filmes que ele adorava. A superlatividade não era apenas um pormenor, uma boutade, era um método, uma forma de encarar o cinema: cada filme era o melhor, o grande filme, a obra perfeita, o mais belo. Não havia exclusividade na paixão de Bénard da Costa; ele amava os filmes como um mulherengo ama as mulheres: cada um era uma revelação, uma epifania. E como sabemos disto: através do que ele escrevia. É que, para além do trabalho de programador, inatacável, conseguia escrever sobre cinema como ninguém, em estilo e em conteúdo.
A dúvida que há uns anos correu por aí, sobre cargos públicos e outras inutilidades do género, mostrou a ingratidão de um país. Já sabemos que a unanimidade é uma utopia, mas a injustiça em relação a alguém como ele é sempre incompreensível. A única sombra que resta é aquela que é projectada na sala de cinema; arte de fantasmas, o cinema resistirá ao seu desaparecimento. Talvez isso suceda em consequência do esforço de uma vida; devemos a Bénard da Costa parte do que é o cinema em Portugal.
Quando estivermos sentados na penumbra, pensemos na sua sombra. E no amor que ele tinha aos filmes; talvez assim nos aproximemos um pouco mais da outra sombra, a que se projecta na tela. Talvez.
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