21/02/09

Musicofilia/Oliver Sacks



Poderá a neurologia, uma ciência exacta, explicar, definir, entender a música? Uma simples questão que Oliver Sacks, em Musicofilia (ed. Relógio d'Água) tenta elucidar.

O método é o de sempre, no autor norte-americano: através da exposição de uma sucessão de casos clínicos, de anomalias, elaborar uma teoria da normalidade. Estes casos extremos, que vão de uma simples sensibilidade musical apuradíssima a diversas incapacidades, sejam de tom, de ritmo ou de melodia, são citados por Sacks num contexto de laboratório; os modernos exames que permitem "ler" a actividade cerebral corroboram teorias que, em alguns casos, já têm quase um século. 

Poder-se-ia pensar que a alma estaria ausente de um livro tão determinantemente empirista como este; porém, não é esse o caso. Sacks parte de um questionamento metafísico - o que é sentir a música, de que modo ela actua sobre nós -  para chegar a teoria, nunca verbalizada, do sentimento musical. 

O progresso da ciência tornou obsoletas as categorias estéticas tradicionais; o livro de Sacks prova este facto, ao reduzir a impulsos eléctricos e zonas activas e inactivas do cérebro o gosto musical, desde sempre o mais indefinível pela filosofia. Não existe o que se chama a música das esferas, ou uma qualquer emanação divina que explique o maravilhamento perante uma cantata de Bach ou a 5ª sinfonia de Mahler. O deleite que a música nos provoca, o extâse espiritual, é a soma de uma sequência de acontecimentos físicos: a cadência certa de notas na pauta, tocadas da forma mais perfeita possível, escutadas pelo ouvido correcto, estimulando de forma intermitente áreas diferentes do cérebro. É esta a descrição possível do acto de "ouvir música". Ou haverá algo mais? Sabemos o "como", mas ficaremos a saber o "porquê"? Será necessária, a pergunta? Oliver Sacks não se atreve a ir tão longe, apesar de toda a paixão que revela perante a música. Para ele é suficiente saber como funciona o nosso cérebro quando a escutamos; a beleza do mistério resolvido.

(O vídeo mostra a peça musical mencionada no capítulo mais pessoal (e mais estimulante) do livro, "Lamentações: Música, Loucura e Melancolia": Winterreise, de Schubert, interpretado por Dietrich Fischer-Dieskau)

[Sérgio Lavos]

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