06/02/09

Maridos e mulheres



O que se perdeu nos últimos filmes de Woody Allen foi, essencialmente, o confessionalismo neurótico e pretensioso que marcou a sua obra até à ruptura com Mia Farrow. O último filme em que ela participou, Maridos e Mulheres, é um tratado dos males da conjugalidade, partindo de um princípio que, para Allen como para o seu herói Groucho Marx, sempre foi soberano: qualquer relação entre homem e mulher está condenada à partida, e o fim será sempre uma tragicomédia.

Os dois casais, representados por Allen e Farrow e Sidney Pollack e Judy Davis (a quintessência da mulher em queda, necessariamente distinta da mulher em estado de graça que Diane Keaton personificou no cinema de Allen), caminham alegremente em direcção ao descalabro ou à resignação; a ruptura de Allen e Farrow é uma tragédia, mas não é menos que o tédio disfuncional de Pollack e Davis, casal condenado à eterna provação da incompatibilidade sexual, a um convívio frio e cínico, "porque não são do tipo de ficarem sozinhos". 

Woody Allen conseguiu ser mais cruel noutros momentos da sua filmografia (Celebridades, Crimes e Escapadelas), mas Maridos e Mulheres torna-se excepcional pelas circunstâncias em que foi realizado: a separação de Allen e Farrow é minuciosamente dissecada pela câmara em modo de falso documentário, e o regozijo voyeurista acaba por ser inevitável. Os faux-raccords, as entrevistas encenadas, a vida exposta sem nunca ser dado o passo que certifique a passagem definitiva à realidade. No rio que une vida e arte, o guião assume papel de barqueiro: o humor clássico de Allen conduz o filme a bom porto; conseguimos não entrar de rompante na intimidade do casal que se separa.

[Sérgio Lavos

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