Quentin Tarantino, em Death Proof, compõe um requiem aos duplos, heróis em vias de extinção num tempo de efeitos especiais digitais, sem sangue nem graça. Há-de chegar o dia em que até as pernas e outras partes de belo efeito das actrizes que se expõem como vieram ao mundo serão pixels projectados na tela, e nessa altura haveremos de suspirar pelo corpo de Shelley Michelle em Pretty Woman, o resto acrescentado à cabeça de Julia Roberts no poster do filme (pelo menos, a carne era original). E este parece ser um hábito que regressou, a julgar pela número de circo prosseguido em The Curious Case of Benjamin Button, recorrendo apenas a um computador e ao rosto da metade mais inteligente do casal Brangelina.
Esse tempo chegará, e por enquanto ficamos na dúvida em relação àquilo que nos é oferecido; terá sido Kate Winslet dobrada na cena de onde foi retirado o frame que postei mais abaixo? Aquele magnífico fio escuro, desfocado e visto apenas durante alguns brevíssimos segundos, por entre a rapidez elegante de uma meia sendo puxada coxa acima, é um fantasma real, de alguém cujo rosto julgamos conhecer, ou uma sombra de uma sombra, duplo em que acreditamos porque o cinema a isso nos obriga? O cruzar de pernas de Sharon Stone terá feito sonhar alguns, mas a dúvida, essencial nestes processos, estava ausente da fantasia: era mesmo ela que ali estava, nenhum truque de câmara ou de montagem tenta sequer esconder o facto. Mas Winslet, seria ela, alguém por ela? Qual é a resposta que queremos? Qual a pergunta?
[Sérgio Lavos]
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