Quando fiz o balanço literário de 2012, referi um livro que não existe - ou, pelo menos, não conheço qualquer livro com este título: O Regresso do Amor. Talvez por isso possa dizer que o livro que não existe foi um equívoco. Porque entretanto avancei para lá do primeiro conto de outro livro com um título semelhante, O Progresso do Amor, de Alice Munro. Não é um acaso o facto de terem o mesmo nome as autoras dos dois livros - o engano no título do livro obrigou-me a dar a uma segunda oportunidade a Munro.
Falemos do segundo, escrito pela escritora canadiana*, traduzido por José Miguel Silva - tenho uma ou outra reclamação a apresentar, mas de pouca monta - e editado pela Relógio d'Água.
Entretanto insisti. Como quase sempre, o meu primeiro juízo foi, digamos, ligeiramente precipitado. Munro é uma contadora de histórias que vale muito, mas mesmo muito, a pena. Os seus contos são trabalhados até um ponto em que aparentam prescindir da sua máscara literária e transformar-se em vida. A classe média - rural na maior parte dos casos - canadiana, como imaginamos que ela deverá ser em qualquer pequena vila do mundo ocidental. Os momentos de pathos são breves, discretos, mas transformam as personagens - mulheres, quase sempre mulheres - de uma forma duradoura, dolorosa. Revelações que alteram o destino das personagens ou o modo como estas olham para o seu mundo. Chegamos ao fim de alguns contos e temos vontade de os reler apenas para entender em que momento a história contada nos cativou, desenrolar o novelo entretecido por Munro, a sua estratégia de conquista da narrativa e do amor do leitor, daquele tipo que nos faz pensar, muitas semanas depois, na expressão de surpresa de uma personagem ao descobrir o que tinha de fazer para reclamar o seu futuro. Tudo em palavras, língua; e depois imagem sem palavras.
*Na página da Wikipedia é-nos dito que a autora é uma perene contendora ao prémio Nobel e considerada um Tcheckov norte-americano. Gosto de hiperbóles porque elas nos permitem reduzir o objecto hiperbolizado à sua verdadeira dimensão, ao obrigar-nos a encontrar nele as razões de tal excesso. Em Munro encontro muito de Tcheckov, é verdade; o que é um enorme elogio, dado que poderei dizer, nesta fase da minha vida, que o escritor russo** é, provavelmente, o maior contista lido, morto ou vivo. Apesar de Salinger.
**Note-se a substituição do nome do autor por uma paráfrase. No outro dia lia uma entrevista a Richard Zenith, na qual ele mencionava a liberdade de Fernando Pessoas na escrita. Dizia ele que Pessoa, ao contrário do que acontece com o comum escritor português, não evitava as repetições de palavras em cada frase. Uma liberdade que tinha raiz na sua educação anglo-saxónica. Eu, por ter lido mais do que uma vez que deveria evitar-se as repetições de palavras até a um limite razoável, excepto quando a repetição é estilística, cedo a essa mania portuguesa. Estará Zenith certo? Tenho dúvidas, mas chegarei certamente a uma conclusão quando menos esperar.
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