04/02/13

Django Libertado

A questão, em Django Libertado, não é a escravatura. Nem a raça, a negritude da América. Nesse aspecto, Spike Lee, uma vez mais, atira completamente ao lado (como aliás já tinha sucedido com Clint Eastwood quando estreou Flags of Our Fathers/Letters From Iwo Jima). Ninguém de bom senso esperaria que Tarantino fizesse um filme empenhado politicamente, um ostensivo manifesto - como é grande parte da obra de Spike Lee, de resto. Se Tarantino tivesse decidido fazer isso, das duas uma: ou falharia redondamente ou deixaria de ser Tarantino. 
Claro, há aquele pequeno pormenor: Tarantino é branco - tem ascendência índia e italiana, mas é branco. O seu olhar, se está vertido em alguma personagem, não é em Django, mas sim em King Schultz. O ariano versado em várias línguas, culto, refinado e um glorioso sacana à procura de poster boys (pun intended) no faroeste americano. A política está no gesto de libertação ensaiado por Schultz. É ele quem oferece a liberdade a Django, é ele que o estimula a embarcar na matança para libertar a sua mulher, é ele o herói que mata Calvin Candy, num gesto de aparente raiva, no fundo um atentado verdadeiramente político que elimina quem encarna o espírito do racista esclavagista, do opressor. 
Portanto, regressamos à crítica de Spike Lee: fazer um filme sobre a escravatura em tom de western-spaghetti? O horror, o sacrilégio? Não, porque há mais política do que as imagens aparentam, e não onde se esperaria que ela assomasse. Django é libertado, torna-se fora-da-lei, mas ficaremos sempre na dúvida se chega a sentir a raiva - profundamente política - que o Dr. Schultz não consegue conter. À superfície, o mesmo brilhantismo de sempre: a canibalização de géneros, a auto-citação, a estilização da violência, os diálogos intocáveis - se bem que, neste caso, menos trabalhados. Na profundidade, um ensaio iconoclasta e politicamente incorrecto sobre as lutas dos afro-americanos. E uma extraordinária qualidade, a desconstrução de dois mitos do cinema americano: O Nascimento de Uma Nação em versão Mel Brooks numa sequência genial que esvazia por momentos a gravidade da história que está a ser contada. E a evocação de E Tudo o Vento Levou: em vez de Rhet e Scarlett, Django e a sua Broomhilda. Genial Tarantino, talvez o seu melhor filme.

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