Vamos falar de coisas sérias. Deixemos de parte as distracções que a literatura proporciona - é tão bom amar um autor, é tão bom odiar um autor, e esquecer a obra. Tenho pena que a editora Quasi tenha falido - ou perto disso. Já não deve haver quem duvide de que o aparecimento de grandes grupos editoriais seja prejudicial para o mercado. A Quasi foi importante porque dedicou-se anos a fio a publicar poesia inédita de autores portugueses*. E, contrariando a aura negativa que se foi formando em redor daquele projecto, acho que acertou muito mais do que errou, apenas por ir publicando. Jorge Reis-Sá criou vários anticorpos, mas um editor não precisa de ser unânime no trabalho produzido. O que ele tem para mostrar é um catálogo com dezenas de nomes revelados, alguns bons poetas, outros menos, dois ou três notáveis. Nenhuma editora portuguesa se pode orgulhar de tanto, nos últimos dez anos (e não falo do resto, as traduções e a boa ficção também paridas). A Assírio & Alvim praticamente deixou de publicar novos autores; a colecção Forma, da Presença, é uma memória vaga; a Caminho publicava aqui e ali algum poeta do PCP até ser comprada pela Leya, e desapareceu desta área da edição; a Relógio d'Água também, nitidamente, deixou de publicar poesia, mesmo autores traduzidos, que era uma das marcas da sua política editorial. O que temos, então? O aparecimento de fugazes editores que publicam meia dúzia de livros e desaparecem do mercado, certamente pela intrínseca inviabilidade comercial do género. E o surgimento de novos poetas em semi-edição de autor, como é o caso de Miguel-Manso, por exemplo. Muito pouco.
Vale a pena proteger esta espécie em vias de extinção, a poesia? Bem, esquecendo o facto de a literatura ocidental ter começado com um poema - a Ilíada... na verdade, a principal razão para proteger esta espécie é essa. Defender projectos editoriais que publiquem poesia deveria ser uma causa intocável. Os poetas talvez não precisem de editoras para escrever; haverá sempre alguém que resista à normalização dos costumes. Mas certamente que a poesia devia continuar existir para quem não escreve. A modernidade utilitarista dispensa o uso da inutilidade, e não há coisa mais inútil que um poema - não "distrai", não conta uma história, não ajuda a pessoa. Aceitamos então este avanço em direcção a um risonho futuro sem inutilidades, excrescências de um tempo cuja seta aponta apenas para o futuro? Pergunto novamente: vale a pena defender um ofício inútil contra as investidas da uniformização cultural? Se há pergunta que tem resposta incluída é esta; é lamentável que a poesia se vá tornando um resquício do tempo que passa.
*Não costumo alterar textos publicados no blogue, como é evidente, mas tive de o fazer porque esta frase saiu diferente do que tinha escrito no rascunho inicial. É claro que a Quasi não foi a única editora a publicar novos poetas. Foi a mais importante, sem dúvida. O Dr. Henrique Fialho e o Sr. Fortinbras objectaram esta passagem do texto, por isso corrigi o que estava errado. Quanto ao resto, ficará para outras núpcias.
Sem comentários:
Enviar um comentário