Manoel de Oliveira será dos poucos realizadores velhos (não é preciso ter medo da palavra) que não dedicaram grande parte da sua obra mais recente ao crepúsculo da vida - talvez a excepção sejam Vou para Casa e Belle Toujours, mas ainda assim sem perder a sua característica ironia que acaba por desarmar muita da artilharia existencial que o tema pressupõe.
O outro grande realizador no activo é, já se sabe, Clint Eastwood. E este não se tem recusado ao papel que parece estar reservado a qualquer cineasta, a partir de uma determinada fase - uma certa cedência ao sentimentalismo, à meditação existencial, preparar o caminho para o esquecimento. Apesar destas evidências, quando deparamos com Eastwood no caixão - mas não vemos, não existe um grande plano - sentimos o frio do golpe no corpo todo. Ele está ali, depois do sacrifício - os braços abertos do plano culminante não deixam de ser crísticos -, e sabemos que a realidade não termina depois do genérico. Gran Torino transcende a forma, o espaço fílmico; é uma poderosa e comovida reflexão sobre uma vida no cinema: no corpo de Walt Kowalski encontramos todos os Eastwoods anteriores; e isto inclui a persona Eastwood, aquilo que conhecemos dele, a personagem real que nos habituámos a admirar (no meu caso, desde Dirty Harry).
E o genérico final, cuja resplandecência e significado são de uma intensidade estarrecedora, esclarece o enigma, estabelece uma ponte entre o filme que termina e a vida onde ele se inscreve. Repetindo Vasco Câmara (e a frase vai para o cabeçalho do blogue por tempo indeterminado, por sugestão involuntária de Ricardo Gross), vou espalhar ao vento: Gran Torino é uma obra-prima. Derrotou-me e eu estou feliz por isso.
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