22/01/14

Breaking Bad

1. O título.
É esclarecido logo num dos primeiros episódios, quando Jesse Pinkman atira a Walter White: "descobriste que tens uma doença que te vai matar, e por isso é que tornaste traficante". Esta frase resume a linha narrativa da série: o que é que acontece quando um homem banal, submetido às regras implícitas do capitalismo e aos ditames da classe média a que pertence, se vê confrontado com a morte, iminente mas com um prazo mais ou menos alargado de tempo? Claro que Walter White não é um homem banal; é um professor de química num liceu de uma cidade de província, um "underachiever" - como mais tarde é referido por um dos criminosos que com ele trabalham -, alguém que nunca concretizou em pleno o seu potencial, o que é suposto acontecer numa sociedade competitiva. Mas o seu génio é o que lhe permitirá sobreviver durante o tempo suficiente para deixar uma herança à sua família, não o que o define enquanto ser humano. Ele utiliza a sua superior inteligência para providenciar à sua família o necessário sustento (o que a sociedade capitalista espera de qualquer homem). O "tornar-se mau", no caso de Walter, não é cair no lado do mal, tal como ele é entendido no seu sentido absoluto e filosófico. Há um imperativo categórico na decisão de Walter: ganhar suficiente dinheiro para deixar à família. Portanto, ele transgride, passa para o lado de lá da lei - e o cunhado, agente da DEA, está do lado de cá, sinalizando a transgressão -, mas fá-lo em nome de preceitos da comunidade onde vive, das regras sociais que o constringem.

2. As regras.
A meio da primeira temporada, Walter diz: "antes sofria de insónias, acordava a meio da noite pensando na vida, e desde que recebi a minha sentença de morte tenho dormido como um anjo". Ficaremos durante algum tempo na dúvida sobre a razão desta súbita paz de espírito. O movimento que o levou ao outro lado, a "tornar-se mau" trouxe-lhe a (ilusão de) compreensão do que antes o deixava perplexo. A angústia existencial foi domada, e o sono regressou. Mas esse alívio não vem da nova actividade a que ele se dedica, mas da libertação dos sofrimentos que a vida traz. A proximidade da morte foi a causa da libertação? Não. Foi ter deixado de sentir-se preso às regras que, durante toda a vida, o conduziram a um ponto tão agudo de frustração que apenas a suave anomia de uma vida familiar lhe poderia oferecer um simulacro de felicidade. Morre Walter White, e no seu lugar nasce Heisenberg, o perigoso traficante de droga sobre o qual se tecem lendas e se escrevem canções, como os músicos mexicanos fazem aos barões que comandam os carteis. 

(Continua)

6 comentários:

Anónimo disse...

Em criminologia, é estudada essa ponte entre os objectivos da sociedade burguesa (sucesso material) e os meios para serem atingidos.

A falta meios resulta na "passagem para o lado de lá da lei" mas racionalizando tal passagem como o único meio que se encontrava disponível.

O crime surge então como uma dos caminhos perante a ausência de resposta que a sociedade dá às aspirações que promove.

Sérgio Lavos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sérgio Lavos disse...

Sim, é isso. E toda a série é uma reflexão na prática sobre esse fenómeno.

Anónimo disse...

Acho q a serie se foca mais na ambiguidade moral, daí o seu êxito (como Dexter) e serve-se da crescente identificação com cada espectador numa sociedade cada vez mais atomizada e destituida de valores.

A questão se o pano de fundo é o capitalismo ou a sociedade totalitaria como o fez Orwell é secundario. Ambas têm disfunções que podiam servir de pano de fundo. O ponto nuclear como qualquer boa série americana é o individuo e as suas escolhas. O que cada vez mais distancia estas novas séries em relação às classicas é que já não existe preto e branco, o bem e o mal, só o cinzento.

Não vi muito da série porque não aguento a manipulação de 5 (ou mais) temporadas a fio nem tenho pachorra para tal. E aqui sim na aceitação ou recusa em ser manipulado reside mais o aspecto ideologico da questão. Hoje não se passa tudo dentro do ecran, o espectador tambem faz parte questão.

Joe Strummer

Sérgio Lavos disse...

Vale a pena continuar a acompanhar sempre a série. Este é um daqueles casos (raros) de ir melhorando de temporada para temporada. Arrisco dizer que a última é mesmo a melhor.

Anónimo disse...


Sim tambem ouvi dizer q a ultima é a melhor. Não haja confusões, gosto de séries e acho q estamos a atingir o apogeu da televisão como media neste particular, é o q permite uma maior profundidade na abordagem de temas e personagens bem como um
maior desenvolvimento criativo. No entanto gosto mais de short stories.

Tenta apanhar uma série de documentarios q passa no Odisseia, "America no prime time".
Não sei a q horas e dia da semana passa, sei q os apanho no zapping de quando em vez. Aí vês os maiores criadores de séries (Alan Ball etc..), actores e directores de cinema, a discorrer sobre a evolução do cinema e das séries em relação com as mudanças sociais e psicologicas da sociedade americana. Um must.

Joe Strummer