24/01/14

Breaking Bad (2)


3. A droga.
Terá sido um acaso o que levou o criador da série (Vince Gilligan, antigo guionista de X-Files) a Albuquerque, Novo México. Vantagens financeiras ditaram que a acção se situe nessa cidade, em vez de Los Angeles, a ideia original. Por outro lado, a proximidade da fronteira com o México, principal porta de entrada de estupefacientes nos EUA, permitiu que as diversas linhas narrativas conquistassem uma riqueza que Los Angeles não permitiria. Para além da paisagem - uma das marcas da série, de que falarei depois - há a questão geográfica. Os principais fornecedores de droga daquele que se tornará empregador de Walter White, Gus Fring, são mexicanos. A cultura de violência ligada ao tráfico tem uma expressão extremada do outro lado da fronteira. El Paso, no Texas (a cidade para onde Hank, o cunhado, é a certa altura deslocado), fica a uma ponte de distância de Ciudad Juarez, considerada a cidade mais perigosa do mundo. O culto da violência dos carteis associado a uma religiosidade pagã transfigura a ideia de morte, torna-a mas próxima dos vivos. A presença da morte é uma banalidade, a violência inevitável. A droga é o pretexto, rastilho dessa violência, que desde o início impregna a acção. Numa pacata cidade perdida do meio do deserto, existe um outro mundo de que Walter White toda a vida se alheou - apesar da relação familiar próxima com uma agente da lei. Ao fazer uma escolha, ao tornar-se fabricante de metanfetamina, o que se torna estranho aos seus hábitos, à sua nova vida, é a vida familiar - recorde-se, a razão pela qual ele se envolve com as margens da sociedade burguesa a que pertence. A lenta transição do homem de família para um fabricante de droga, no seu sentido pleno, vai alterando as coordenadas de normalidade que antes regiam a sua vida. O que antes era normal passa a ser uma fonte de preocupações - a família torna-se alvo de quem vive além dos valores tradicionais do homem médio americano - e o novo normal passa a ser o dia a dia no laboratório de metanfetamina, produzindo para o maior distribuidor de droga do sudoeste.

4. Os traficantes.
Há dois tipos de traficantes na série: os que não passam de estereótipos semelhantes aos que vemos em filmes e séries de televisão, e os que se diferenciam, e que são desenvolvidos ao longo de muito tempo, até se tornarem personagens credíveis, combatendo o cliché do qual se destacam. Walter White e Gustavo Fring aparentam ter bastante em comum - mas o desenrolar da série mostrará que não será tanto assim. Walter ainda não é traficante - apesar de aos olhos da sua mulher ele passar por um -, é apenas um homem que usa uma máscara social que encobre as suas actividades ilícitas. Como ele, Fring compõe uma personagem, passando por homem de negócios sereno, benemérito, ajudando a polícia e fazendo generosos doações à DEA, a hospitais, a lares da terceira idade. A história de Fring será mostrada em flashbacks, e ele revelar-se-á tão implacável e duro como os estereotipados traficantes mexicanos, os barões da droga que vai eliminando ao conquistar o poder que detém no presente. Nunca sabemos o que ele verdadeiramente pensa, mas temos a certeza de que estará sempre um passo à frente do que vai acontecendo à sua volta, como Walter salienta a determinada altura. Como este, Fring demonstra ter uma inteligência superior, é isso que lhe permite movimentar-se no seu mundo. Partilham assim duas características, Walter e Fring: a dissimulação e a inteligência. O que os distingue serão os valores éticos, a família e o sentido de pertença a uma comunidade. Fring perdeu isso há muito, ou nunca chegou a ter. Somos assim colocados perante uma clara oposição entre o herói, Walter, e o vilão, Fring. A simpatia inicial que sentimos por este vai desvanecendo, à medida que o vamos conhecendo.

(Continua. Primeira parte aqui.)

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