As raparigas de Ana Teresa Pereira são depois mulheres, no fim da história, ou no fim dos capítulos de que se compõe o conjunto de todas as histórias até agora escritas por ela. Têm vários nomes, mas são a mesma. E esta mulher - que não é um arquétipo, mas sim uma ideia - tem o rosto de Ana Teresa Pereira, um rosto de rapariga, magro e elegante, lábios pintados de vermelho vivo, cabelos pretos ondulados. A escritora escreve as personagens encarnando nelas, ou vive através das mulheres que inventa. Não importa se há um Tom para Ana, ou se ela descobriu aos vinte e cinco anos que era uma feiticeira, ou se o seu exílio numa ilha é consequência de um amor morto à partida ou da maldição de um homem alto e de olhos de um negro profundo. Conheço a Ana Teresa Pereira desde o tempo em que a fotografia que a identifica estava próxima do tempo em que foi tirada, há cerca de vinte anos. Vinte anos que se passaram como se fosse o parágrafo de um romance, uma elipse resolvida na passagem de uma frase para outra, um ponto final pelo meio. Suspensa naquela fotografia, a memória do que me atraiu nos contos de crime e de fadas, nas histórias de amor e perdição construídas sobre acasos e determinismos, entre o que estava escrito acontecer e o que na verdade aconteceu; acasos que se revelam já escritos ou sonhados, a sorte mostrando que nunca dorme, e decide o que veio e o que virá. As raparigas de Ana Teresa Pereira vivem agora nas histórias que estão por contar, em casas à beira-mar ou entranhadas em bosques sombrios, e serão mulheres quando acabarem de se perder nos caminhos para além dos jardins, e habitarão para sempre no limite da possibilidade e da promessa. Muitas páginas perdidas, um quadro de Burne-Jones e um bule de chá quente. Lá fora, a chuva.
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