Concordando com os que dizem que não há leituras de verão, isto é, que as leituras de praia não se diferenciam das leituras que o frio traz, a verdade é que ao longo da minha vida noto padrões que se acomodam melhor ao calor ou à linha do horizonte entre mar e céu do que ao sofá e ao barulho da chuva lá fora.
De há uns tempos para cá, por circunstâncias pessoais concretas, tenho retomado os livros de Vergílio Ferreira, relendo uns e lendo pela primeira vez outros. Tornaram-se assim as suas frases uma companhia que combina com o calor, como se a vertigem existencial que encontramos nelas apenas pudesse ser atenuada pela limpidez da luz e pela certeza de que a noite chegará mais tarde. Claro que pensar isto não passa de um artifício que procura explicações para o acaso. Mas não esvaziemos de importância o jogo do azar e da sorte nas decisões que tomamos.
Levado por estes livros, fui empurrado para o Mito de Sísifo, que começara a ler e nunca terminara, depois de ter lido os romances de Camus de forma intermitente. Tão longe estou do verão em que peguei num tijolo de quase mil páginas, um policial passado em ambiente académico, numa cidade de Boston que apenas conheço da ficção. A autora é Donna Tart, e o livro chama-se A História Secreta, e julgo já ter escrito sobre ele em tempos.
Mas não me interessa agora o livro em si. Em vez disso, recordo os dias passados em Porto Covo e as horas de sol na praia, o meu filho à sombra de uma falésia, dormindo sestas prolongadas enquanto eu mergulhava nos abismos negros e invernosos de um grupo de amigos, estudantes de grego e de cultura clássica iniciando-se nos mistérios do amor e da morte. A distância entre aquele sol e aquele mar, e os bosques, os corredores escuros e a pedra antiga do romance era percorrida de um ápice, a cada virar de página. Dormindo a meu lado, o meu filho, tão perdido quanto eu - o conforto da certeza era o embalo perfeito para os nossos sonhos.
A praia de há oito anos agora foi cortada a meio. É uma meia-praia, o areal aos poucos foi sendo engolido pelas águas, e a falésia que nos abrigou agora tem um sinal avisando os veraneantes do perigo de derrocada. Logo a seguir à linha da maré, o mar cavou um fosso que torna os banhos perigosos. Não é mesma praia, apesar de ser o mesmo bar e a mesma linha do horizonte, o mesmo sol. São outros, os livros. E os sonhos.
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