John Carlin, autor do livro a partir do qual foi feito Invictus, afirmou numa entrevista que a melhor época e lugar para um jornalista trabalhar foram os anos 90, na África do Sul. Quando regressou a Washington, apanhou com o escândalo Clinton/Monica Lewinski, depois de ter testemunhado o fim do apartheid e a reconciliação nacional encetada por Nelson Mandela. Numa época de descrédito geral dos políticos, Mandela continua a ser um exemplo certamente digno de inveja por parte de quem tem boas intenções e de vergonha por parte dos outros.
Clint Eastwood viu em Mandela mais um dos seus heróis solitários, de ideias fixas, casmurros que acabam por provar estar certos no fim. O filme , apesar de resvalar aqui e ali para o mau gosto - as câmaras lentas, a banda-sonora discutível, as panorâmicas sobre os bairros de lata de Joanesburgo - é um hino ao extraordinário percurso do político mais marcante da segunda metade do século XX, uma figura maior que a vida que pedia nada menos que a hagiografia que o realizador lhe dedica. Mas é também a história pessoal da relação do político com o outro herói do filme, o capitão dos Springboks, François Pienaar (Matt Damon), que no final do jogo acaba por ter uma daquelas frases grandiosas que julgamos serem exclusivas da ficção - "não eram 65000, mas sim 43 milhões de sul-africanos a apoiar-nos".
A unidade temporal - um ano apenas - que acaba por concentrar toda as circunstâncias de uma vida, é o segredo do filme: o encarceramento de trinta anos, a libertação, a vitória nas eleições, o respeito da minoria branca, antigos opressores aceites na nova África do Sul, país do arco-íris. O desporto, em especial os grandes acontecimentos desportivos, ultrapassa em muito o seu universo; várias vezes Mandela (grande Morgan Freeman) repete que o interesse mostrado pelo acontecimento é político. Quando chegamos aos derradeiros jogos, o torneio transforma-se em batalha - a vontade dos guerreiros, o suor, o sangue, a superação. Os planos aproximados captando as formações no campo de rugby descrevem em tons heróicos o esforço dos jogadores, e por momentos estamos num filme de guerra, em pleno combate.
Luta contra a adversidade, superação: o território preferido de Clint Eastwood, a sua linguagem. O filme não é perfeito - é melhor do que outro qualquer faria com a mesma história.
(Texto publicado, originalmente, no Arrastão)
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