Aftersun é um ensaio sobre a impressão que as pequenas percepções deixam na memória, e sobre o modo como no presente processamos o vestígio deixado por essas pequenas percepções. É mais instinto do que razão, mais intuição do que sentido. Reduzir o filme aos constrangimentos da infância é um erro: o filme mostra o olhar de uma mulher adulta declinando sobre as suas recordações o véu do entendimento da idade adulta. O olhar de alguém que tenta perceber por que razão lembra como lembra o que lembra. Mas pensar sobre o que lembra altera o que é lembrado - não é que o presente modifique o passado, é mais como se o presente moldasse o passado ao seu corpo, tornasse material o que nunca será mais do que espiritual. É um filme sobre a ilusão de conhecer e sobre a habilidade de construir uma história. O pai da criança é tanto uma sombra como a criança, e a mulher adulta que recorda a criança que passou é tão esboço como o pai e a criança. Na tela são projetadas sombras que revelam gestos, ruídos e pistas que apontam para um destino; mas no presente continuamos a não saber que destino foi esse. Tentar compreender uma memória é um gesto que tem tanto de vão como de fulgor criativo. Por isso funciona, e o filme atrai quem o vê para uma vertigem de sonho, um corpo leve fugindo na noite a caminho do mar.
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