16/12/08

Manoel de Oliveira




Um ponto de contacto entre Jason Bourne e Manoel de Oliveira seria uma ideia não só absurda como digna de anedotário. Mas a verdade é que Doug Liman, o realizador de Identidade Bourne, e Manoel de Oliveira, em Belle Toujours, encontram o cenário ideal para as suas obras numa pequena praça de Paris, fronteira ao hotel Regina. 
Henri Husson (Michel Piccoli), o velho devasso que conduzira Séverine (Bulle Ogier) à felicidade anti-burguesa em Belle de Jour, passeia-se pela cidade impelido por um sentido do acaso que o haveria de levar à mulher do seu antigo amigo. Paris é uma cidade velha, crepuscular: a lentidão silenciosa da tempo antes da noite, os tons sombrios, as ruas vazias de trânsito, os enquadramentos clássicos procurando um ponto de fuga nas arcadas do hotel, o olhar demorando-se na estátua da mulher guerreira, pleno de significado. Ou Paris será uma cidade viva, trémula, trânsito em andamento contínuo, o barulho dos carros a passar, a velocidade dos corpos sem tempo para parar e contemplar?
Em Manoel de Oliveira e Liman, há um início de sequência em que a câmara é colocada exactamente no mesmo local: na lateral do lobby do hotel, de modo a captar a entrada de Marie ( Franka Potente), num caso, e Michel Piccoli, no outro. Mas, a diferença essencial: Oliveira mantém o plano fixo durante longo tempo, depois corta para Husson perguntando por Séverine na recepção e então regressa à câmara de entrada, para apanhar Bulle Ogier (Séverine) a fugir (?) do antigo amigo. Liman escolhe a velocidItálicoade: plano curto de Potente a entrar, um excesso de figurantes a percorrer o set, campo-contracampo com planos de 1,2, segundos, travelling que acompanha Potente a dirigir-se à recepção, elipse e corte para Bourne (Matt Damon) na rua.
Em que cineasta a impressão de realidade é mais forte? No cinema-movimento de Liman, no qual cada plano serve apenas para lançar o plano seguinte, tempo ultrapassado pelo tempo, rápida sucessão de acontecimentos que não se chegam a fixar na memória? Ou no cinema-tempo de Oliveira, no qual um plano vale por si só, contém em si várias camadas de interpretação; um cinema sem pressa de chegar a lado algum (a realidade?), um cinema no qual a dimensão temporal é mais importante que a dimensão espacial. 
Será difícil encontrar melItálicohor exemplo desta essencial diferença. Terá Manoel de Oliveira visto Identidade Bourne?

[Sérgio Lavos]

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