17/05/07

Arte e imanência (2)

Se quisermos ser pessimistas (e banais) podemos afirmar que a arte é sobrevalorizada. Recontextualizar significa quase sempre valorizar o que, no seu contexto de partida, pouca importância tem. E recontextualizar significa também, quase sempre, teorizar sobre a arte produzida, desse modo atribuindo séries de intenções, de sentido, ao acto do criador. Temos de dar esse passo, claro, caso contrário a arte deixa de ter qualquer razão para existir. O acto de descodificação da possibilidade, isto é, da eventualidade do criador ter pensado de determinado modo quando estava a produzir a obra, é por si só um acto criativo. O crítico e o teórico (eles existem, não é?, mesmo que não necessariamente por esta ordem) intervêm no processo criativo unindo as pontas soltas desse processo. Falam de escolas, de sentido, de alusões, de intertextualidade e, evidente, de contexto. A questão será: até que ponto precisa a arte da carga teórica que lhe sucede? Falsa questão, por uma simples razão: esta carga teórica surge sempre como ferramenta, voluntária ou não, do criador. Mesmo as escolas que menos dependem da conceptualização e se gabam de produzir arte da forma mais aleatória ou inconsciente possível - pense-se no surrealismo ou no expressionismo abstracto de Pollock - não se conseguem desprender do lastro da teorização. A desconstrução da arte, que no fundo é o fundamento principal do modernismo ( e do que se lhe seguiu, seja o que for que se lhe queira chamar) necessita sempre do reconhecimento de um passado. A "construção" (aqui entendida como o oposto de desconstrução), ainda que não exista formalmente, acaba por intervir no processo criativo; quem desconstrói conhece aqueles que o antecederam, estudou-os, amou-os e por fim odiou-os, mata o pai e julgar criar uma coisa completamente nova no seu lugar. A arte deixou de se interessar pela imitação e vive da re-criação, colou-se à vida e integrou-se no quotidiano. Desistiu da transcendência porque se deu conta que os mestres não podiam ser sobrepujados. Apenas repudiados e destruídos. E, no melhor dos mundos, esquecidos.

[Sérgio Lavos]

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