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10/06/08

O jogador de futebol

Ninguém pede a um jogador de futebol que tenha em casa uma biblioteca com primeiras edições - a não ser que seja a sua própria biografia, escrita por um qualquer escritor-fantasma de quinta categoria. Ninguém exige isso, nem sequer que tenha visto o último do Chabrol ou se entusiasme com os Vampire Weekend. A um jogador de futebol pede-se uma coisa apenas: que esteja à altura das suas potencialidades; que dê o sempre o máximo, dentro de quatro linhas; apenas isso. Por isso é que toda a conversa à volta do futebol enfastia - quase sempre um jogador de futebol é aquilo que demonstra dentro de campo. Quanto muito, os mais inteligentes sabem também da teoria do assunto; esses ou se tornam treinadores ou comentadores de televisão. Mas ninguém espera que comecem a frequentar a Cinemateca ou a ir a soirées literárias depois da reforma; e ainda bem que assim é.
Enrique Vila-Matas teve o prazer de conhecer, nos idos anos 90, alguns jogadores com um vago interesse por livros. Escreveu sobre isso em várias crónicas que se encontram no seu livro "Da Cidade Nervosa". Sem consultar a história, lembro-me da referência a Pep Guardiola, centro-campista do Barcelona treinado por Crujif e depois por Bobby Robson - pés fantásticos, que corrigiam qualquer trajectória enviesada da bola; ela ia ter sempre ao sítio certo do campo. E da elegância do porte em corrida; julgo que acabou a carreira numa equipa do Médio Oriente. Curioso que tenha sido Guardiola o jogador no qual Vila-Matas encontrou o que mais se aproxima de um intelectual (agora me recordo que Nadal, o tio do tenista, também se interessava por livros). Provavelmente Guardiola seria (será) um intelectual tão incompleto como Vila-Matas foi (é) jogador de futebol. Mas que quereis, um escritor tentará sempre encontrar uma justificação para a existência dos seus livrinhos; nem que seja nas vagas empatias com as estrelas maiores, as que escrevem os seus sonetos nos relvados (e isto, claro, apenas é válido para os escritores que gostam de futebol).
E depois, para além do futebol, as histórias; o material do escritor, a bola que ele, mal ou bem, conduz pelas páginas fora. Como esta, fantástica, contada por Vila-Matas.
Pedimos aos jogadores quase tudo; mas nunca pediremos que sejam Abdón Porte, o cavalheiro uruguaio que morreu no centro essencial do jogo, o meio do campo, o olho do labirinto. Exemplar.

[Sérgio Lavos]

08/06/08

O número 10

A melhor coisa do Portugal-Turquia, depois do primeiro golo do Pepe (é para aquilo que o Nuno Gomes serve), do golo do João Moutinh..., ops, Raúl Meireles, e do bom jogo geral da selecção, foi ouvir o Rui Costa na TVI tornar-se um possível excelente comentador de futebol, se algum dia se cansar de Luís Filipe Vieira e se dedicar a coisas realmente sérias; a visão de um número dez é, porém, falaciosa: cada passe de Deco valeu por três sprints de Ronaldo. Como deve ser, aliás. O melhor primeiro jogo da selecção numa fase final de um campeonato desde 1996. Vamos ver.

[Sérgio Lavos]

17/03/08

E agora, as artes

(Daniel Plainview na fase inicial da sua carreira)

Não queria bater mais no ceguinho, mas voltei-me a lembrar do Daniel Day-Lewis enquanto via o Marítimo-Benfica, o Chalana sentado no banco e depois, em fila, o Rui Águas e o Shéu (Han, desde que pendurou as chuteiras). Ora, o Chalana; decidiu colocar o destro de dois pés esquerdos, Luís Filipe, colado à extrema direita, e o homem do refrigerante disléxico, Sepsi, encostado à extrema oposta, devidamente apoiados pelos dois rafeiros de guarda da casa, Petit e Bynia. Se o raio de acção destes dois últimos conseguisse diminuir o espaço deixado pelos dois extremos, teríamos jogo. Se o Rodriguez conseguisse fingir que é segundo ponta-de-lança durante tempo suficiente, melhor ainda. E o Cardozo, lá na frente, serviria de tabela de basquete para as bolas lançadas pelos companheiros. Óptima estratégia, que dependeria de duas coisas: o retardador na reacção do treinador do Marítimo e o tempo até Luís Filipe perceber que, mesmo jogando a extremo direito, poderia sempre vir cá atrás e não ajudar o Nélson a defender, ou quem sabe provocar um ou outro calafrio para o Edcarlos não limpar. Havia algumas hipóteses. Quer dizer, eu não via o Benfica a jogar desta forma para aí desde os tempos em que o Vítor Paneira rabiava na direita, o traidor Pacheco na esquerda e o João Pinto bailava ali pelo meio, a servir um tosco qualquer que tivesse lá frente (por vezes era o Isaías). O comentador avançou: esta táctica é antiquada. O Chalana manteve-se sereno no banco, pensando em como seria bom que a Ciência tivesse avançado ao ponto de se poder clonar a ele próprio, entrar em campo e avançar para aquela pequena tira de terreno onde apenas microorganismos e grandes jogadores de futebol sobrevivem. É claro que o Benfica perdeu. Perdão, empatou. Apenas quando sairam os extremos e entrou o Rui Costa, não sei se alguém reparou. E o que é que o Daniel Day-Lewis tem a ver com isto? Para além de ter captado a atenção de quem vem a este blogue à procura de textos sobre cinema (haverá alguém?!?), tem tudo. O Daniel Day-Lewis não precisa de um bom filme para brilhar; é como o Rui Costa, que tem sido o principal protagonista de uma fita de terror no último ano e meio; digamos que o olhar dele, ao observar o desempenho dos colegas em campo, compara-se ao estertor do rosto de Jamie Lee Curtis em Halloween. Tirem-me deste filme; com amor. Já os outros actores, precisam, como de pão para a boca, de um Steve Soderbergh que os motive para a transcendência, um Kant dos tempos modernos, da mesma maneira que tornou George Clooney um tipo cool (em Out of Sight e daí para a frente em vários outros) ou Jennifer Lopez mais do que um cepo bem torneado, daqueles que se usam no Natal para enfeitar a mesa da consoada (também, e só, em Out Of Sight). O elenco benfiquista neste momento assemelha-se a uma reunião de velhos actores de Ed Wood, à espera de um génio que os faça brilhar de maneira que não seja cómica.
E chegar a este ponto - servir-me do cinema para falar de futebol - não é apenas preocupante. Uma pontinha de humilhação espreita também por aqui.
Ah! O Chalana poderia ser gajo para transformar o Luís Filipe num Paneira fora de prazo (o que já não era mau) e convencer o Bynia a olhar-se ao espelho e ver o Makelele; por isso é que vai sair do Benfica (ou continuar como adjunto da próxima alma penada). Série Z. Interminável.

(Para compensar, saiu ao Sporting o cromo do Paulo Bento, e parece que a cola é Super 3; é para durar. Bem hajam!)

[Sérgio Lavos]