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31/12/09

Álbuns 2000 #1

Radiohead - Kid A (2000)

Passados quase dez anos sobre a saída de Kid A, continua a ser impossível encontrar outro disco que defina tão bem esta época. O lado B da euforia mainstream, o anti-pop que vende milhões, a música que antecipa a paranóia e o medo pós-milénio que vivemos. Os Radiohead deixaram de querer canções e conseguiram encontrar estados de espírito - a electrónica sublinha tensões, os ritmos estimulam a disforia, as peças que compõem cada puzzle encaixam mal, mas fazem todo o sentido.
Tudo no seu lugar, como Thom Yorke ensaia na primeira música, um sossego desinquieto, uma espécie de aviso para o que se segue: o robô infantil de Kid A, cantando como se fosse um flautista mecânico de Hamelin, a quem seguimos cegamente; o pseudo-hino insuflado de sopros desconchavados de National Anthem ("what's going on?"); a maravilhosa balada ensimesmada, Everything in its Right Place, um lamento sobre a transparência existencial e a possibilidade de fuga, "isto não está a acontecer", os violinos a sublinhar o desespero; e depois Treefingers, o perturbador interlúdio instrumental que tanto pode ser usado como acompanhamento para meditação como modo de evidenciar a alienação que o resto do álbum provoca, três minutos vindos directamente de 2001, Odisseia no Espaço; o silêncio precede o optimismo, como o DSM-IV avisa, e em Optimistic o ritmo rock acompanha uma letra sobre a distância, no fundo a melhor maneira de esquecer "os abutres que sobrevoam os mortos" e "os peixes maiores que comem os mais pequenos"; mas a bonança dura pouco, o caos regressa em In Limbo, armadilhas a cada passo, o afastamento, o isolamento e a lucidez que ele traz, "i've lost my way"; Idioteque é simultaneamente uma crítica ao vazio (que convoca e critica Discothéque, dos U2) e um princípio de entrega à loucura, quando não resta outra saída que não seja a retirada para um bunker, "here i'm alive/everything all the time". Depois, Morning Bell acentua o desfasamento da realidade - frases deixadas a meio, ideias vagas, e o cândido ritmo da voz de Yorke contrastando com a violência da letra: "Cut the Kids in Half/Cut the Kids in Half" - talvez a melhor música do álbum, perfeita. Para terminar, um som de acordeão transporta-nos finalmente a um porto seguro, e percebemos que apenas a banalidade do quotidiano - "cheap sex and sad films" - nos pode trazer algum conforto - e um simulacro de amor, antes do fim chegar - "I Will See You in the Next Life".
Ouvi este disco dezenas, centenas de vezes, e ainda consigo encontrar coisas em que não reparei antes: os versos têm outro significado, os vários trechos musicais combinam de forma diferente, a sequência em que ouço as diversas faixas muda, e o sentido também. Enquanto uma boa canção pop está ligada quase sempre à repetição, ao passado - de cada vez que a ouvimos, a sensação é quase a mesma - as músicas dos Radiohead questionam - o presente, as ideias sobre o mundo, os clichés musicais que se repetem. A música existencial para principiantes. Para todos.

(vídeo aqui, ao vivo e epiléptico)

30/12/09

Álbuns 2000 #2

The Strokes - Is This It (2001)

O som desta década, tudo o que se seguiu, foi definido por este álbum, e isso seria o suficiente para estar na lista. O rock nunca mais foi o mesmo? Não vou tão longe, mas a verdade é que os Strokes, entre o revivalismo pós-punk e uma pose arty nova-iorquina, facção Velvet Underground, foram o cadinho onde foram buscar inspiração dezenas de bandas rock que se lhes seguiram. Então, o rock nunca mais terá sido igual. Bateria sincopada e minimal, baixo ritmado, guitarra ritmo ondulante e solos resgatados directamente aos anos 70 (Undertones, Wire) juntaram-se à voz de ressaca displicente de Julian Casablancas para criar uma obra que, sobretudo é uma magnífica colecção de singles (à maneira dos Smiths). Não há uma faixa deste álbum que não seja suficientemente pop - até New York City Cops, homenagem ao punk mais puro, é um hino. Podemos exigir mais aos Strokes? Mais rasgo, mais invenção? Não me parece que o rock precise sempre destes dois ingredientes. Inventar o som de uma década é mais do que suficiente. O rock de guitarras angulares e estilo negligente estudado dura o que durar, como sempre, mas a eles ninguém pode tirar isso.

(vídeo aqui)

Álbuns 2000 #3

Sigur Rós - Ágaetis Byrjun (2000)

E agora, para algo completamente diferente. Depois de Björk, a banda que aprendemos a identificar com a Islândia. Guitarra tocada como se fosse um violoncelo desafinado, sintetizadores etéreos, sons sinfónicos siderais, uma voz de sereia andrógina planando, uma língua inventada, indecifrável. Será tudo isto, mas a descrição é sempre insuficiente. A maior qualidade dos Sigur Rós é a capacidade de criação de ambientes - planícies geladas, fiordes descomunais, o mar revolto trazendo marinheiros a portos abandonados, histórias de amor entre humanos e seres quiméricos, o fogo arrefecido de antigos vulcões pulsando por baixo da terra. Esta música ancestral, que transmite mais sensações do que ideias, vai se infiltrando lentamente até se transformar numa vaga avassaladora, como um rio de magma arrastando rochas e detritos, lavando a terra das suas impurezas originais. Estamos num outro mundo, que transcende a música que o cria. Brilhante.

(vídeo aqui, excelente como todos desta banda)

29/12/09

Álbuns 2000 #4

Queens of the Stone Age - Songs for the Deaf (2001)

O rock, rock a sério, nesta década, passa pelos descendentes do grunge Queens of the Stone Age, e seus companheiros e camaradas, Eagles of the Death Metal e a série de projectos paralelos, que culmina nos Them Crooked Vultures deste ano, super-grupo que inclui John Paul Jones, antigo baixista dos Led Zeppellin. O melhor álbum dos QOTSA é Songs for the Deaf; e é perfeito porque tem a colaboração do melhor baterista rock dos últimos vinte anos, Dave Grohl - e não se fala mais em Foo Fighters, que a vaidade nos génios é um defeito desculpável. E Mark Lannegan, ex-Screaming Trees, é também fundamental na definição do som - a voz que veio do grunge faz a ponte entre as duas décadas.
Música para ouvir num qualquer bar de motoqueiros perdido no Texas, riffs de bateria divinos, baixo hipervitaminado, guitarras rasgadinhas, letras politicamente incorrectas qb: é esta a receita para a perfeição.

(vídeo aqui)


20/12/09

Álbuns 2000 #5

Arcade Fire - Funeral (2004)

Um álbum que é uma celebração dos queridos mortos - dificilmente uma banda poderia arranjar melhor assunto para primeiro trabalho. E transformar o que seria uma elegia fúnebre, negra, numa festa em palco, eis o grande feito dos Arcade Fire. Mas, para além dos épicos desempenhos ao vivo, há a música, algures entre David Bowie e a folk, com uma ou outra passagem pelos New Order e os Pixies, num álbum que evoca os gloriosos anos 90, e que apenas poderia dizer algo a quem passou por lá, oscilando entre a melancolia e a euforia, entre Radiohead e Smashing Pumpkins (há muito do desequilíbrio deles em Funeral), entre o fim de qualquer coisa e o princípio de algo que rapidamente passou - o grunge, claro. Se nos limitarmos às pequenas coisas que os Arcade Fire também têm - as histórias de infância, as zangas entre irmãos, as brincadeiras que queríamos prolongar até ao infinito, todos os sons que ilustram a sensação de perda - teremos o suficiente. O hype da década, que nos desiludiu ao segundo ensaio, prolongou-se para lá da estação em que nasceu. Um grande álbum, imperfeito e belo como também podem ser os grandes álbuns.

(vídeo aqui)

18/12/09

Álbuns 2000 #6

The National - Boxer (2007)

Repara-se primeiro na maravilhosa percussão das músicas, a bateria, maquinal, repetitiva, depois o baixo, e sobre o ritmo assentam as palavras de Matt Berninger, melancolia e desilusão amorosa, numa destilação pura, vintage e grave, perfeita. Se os Joy Division são a banda para a adolescência tardia, os National devem ser a cura para o arrependimento, a banda-sonora ideal para o desencanto da idade adulta. As manhãs de ressaca cada vez piores, os fins de relação cada vez mais penosos, os inícios cada vez mais cínicos. O estado de espírito de uma geração na década dos 30 em forma de álbum, e lá se confirma a ideia da música ser uma abstracção concreta, e não algo de indefinível. Recontextualizemos: não quero que todos os que são desta geração gostem da música dos National; quero apenas que aqueles que eu entendo a entendam. Somos muitos, ou poucos, não interessa, somos os suficientes. E mesmo sem as letras de Berninger, seria sempre um grande álbum.

(vídeo aqui)

14/12/09

Álbuns 2000 #7


LCD Soundsystem - Sound of Silver (2007)

E pensar que há 15 anos dizia o pior que se possa pensar de toda a música electrónica; é verdade que os LCD não são propriamente uma banda electrónica - a estrutura das canções é pop-rock, e estão lá todos os instrumentos tradicionais do rock - guitarra, baixo, bateria. Mas o uso de sintetizadores resgatados aos anos 80, Daft Punk pelo meio (os mestres do electro-indie), e a influência distante dos avós Kraftwerk, faz deste projecto de James Murphy um dos mais, vá (será que uso a palavra?), trepidantes da última década. Quando ouço LCD Soundsystem penso em discotecas nova-iorquinas em finais dos anos 70, mas depois lembro-me que nessa época ou era-se disco, e era horrível, ou punk e pós-punk, e era-se hip. Curioso que os LCD não andem assim tão distantes dos ritmos dançantes do disco, e continuem a ser respeitados por quem dita o bom-gosto.
Exemplificando esta mistura, temos a música All My Friends, que começa com uma vaga evocação do piano de Keith Jarrett e termina em eufórica festa, celebração das saídas à noite com os amigos, um hino à inconsequência prática; não admira que os Franz Ferdinand tenham feito uma versão - a energia rock está toda lá.

(video aqui)

(versão dos Franz Ferdinand)

13/12/09

Álbuns 2000 #8

Radiohead - Amnesiac (2001)

O segundo melhor álbum dos Radiohead nesta década é também a segunda parte de Kid A, menos experimental e mais próximo do formato tradicional de um conjunto de canções pop. O regresso aos singles com video é também exemplo desta reaproximação ao mainstream. Mas a paranóia moderna está toda lá, o experimentalismo também, com passagens pela electrónica (Morning Bell), pelo rock de guitarras bluesy (I Might be Wrong), e pela típica canção radioheadiana, de início calmo e final furioso (You and Whose Army?). Tem uma das melhores canções da banda, o single Knives Out - a guitarra cristalina vai construindo a música de acorde em acorde, e Thom Yorke limita-se a ir atrás, subindo e baixando de tom na linha quase desafinada que a sua voz orgulhosamente exibe. A mais importante banda dos últimos quinze anos (os Beatles da pós-modernidade pop) num ensaio quase perfeito.

(video aqui, de uma versão ao vivo, não está disponível o vídeo original)

11/12/09

Álbuns 2000 #9

MGMT - Oracular Spectacular (2008)

No ano em que Brooklyn se tornou o centro da música pop (Santogold e Vampire Weekend incluídos), a banda que criou o melhor álbum psicadélico desta década. Recorrendo mais a sintetizadores analógicos do que a guitarras, contaram com a ajuda do produtor dos Flaming Lips e antigo baixista e baterista dos Mercury Rev, Dave Friedman, para dar coesão a um punhado de canções com as letras mais estimulantes dos últimos anos. Um sonho juvenil de adolescentes a caminho da idade adulta, no qual cada canção é como uma imagem que recupera ilusões perdidas e desilusões perenes, o álbum é também um caleidoscópio de sons que tanto podem citar os referidos Mercury Rev como os abomináveis Bee Gees ou Michael Jackson, sem nunca perder a coerência. E, sobretudo, é um daqueles trabalhos que se vai sedimentando lentamente em nós - a cada audição descobre-se coisas novas, breves associações, ruídos de infância, uma referência a algo que julgávamos ter esquecido. Tenho a certeza de que vou ouvir estas músicas durante muito tempo, e mal posso esperar pelo próximo álbum. Como amostra, o grande primeiro single, um hino lúcido e irónico ao que é a vida das estrelas pop, Time to Pretend.

(video aqui)

Álbuns 2000 #10

M.I.A. - Kala (2007)

Os Tigres Tamil podem ter sido derrotados, mas M.I.A., dois anos antes, quase conquistou o mundo. Sem exagerar (mas exagero, quem sabe quem ela é?), o álbum Kala, entre a vanguarda musical londrina (grime, hip-hop) e o trash da música de Bollywood e um outro namoro a linguagens world (kuduro incluído), é uma montanha-russa de batidas que obriga a mexer o corpo, mesmo quem, como eu, tem uma vida mais sedentária do que devia. Do Sri Lanka para o mundo, a M.I.A. apenas devemos desculpar ter participado na banda-sonora de Quem Quer ser Bilionário (apesar do reconhecido bom gosto de Danny Boyle). Mas Kala é anterior a isso. E a denominação música de guerrilha nunca foi tão apropriada - a violência das letras contrasta com o ambiente geral de diversão que transparece do álbum. E é raro vermos alguém utilizar os samples de modo tão certeiro; exemplo disto é a fabulosa Paper Planes, os Clash a dar uma mãozinha e os Beastie Boys en passant, a apadrinhar a coisa. Brilhante e censurado, como deve ser.

(Video aqui)