16/12/11
Christopher Hitchens (1949-2011)
28/05/08
A humanidade

[Sérgio Lavos]
28/03/08
Duas ou três penadas
(Descontada a retórica, que de resto é facilmente contestável, fica nada. Absolutamente nenhum ponto se acrescenta ao que já se sabe sobre religião; devo dizer que a retórica descabelada de Hitchens, por muito ácida que seja (fogo-de-artifício estilístico), convenceu-me a seriamente voltar a reconsiderar a questão da minha crença. Por outras palavras: se antes navegava alegremente nas águas turvas do ateísmo, agora o meu barco aproxima-se perigosamente de uma costa estranha, quase agnóstica. Temo pela minha felicidade futura. Obrigado, Sr. Hitchens.)
Tudo isto para dizer que não irei ler A Desilusão de Deus, de Richard Dawkins, graças a um texto perfeito de Pedro Picoito no último número da revista Atlântico (não disponível on-line). Ou como duas ou três páginas construídas sobre um raciocínio claro e bem-humorado, certeiro e simples, de tão óbvio, desconstroem algumas centenas de páginas escritas por um dos mais brilhantes cientistas da actualidade (e se Dawkins é bom - bastaria ler O Relojoeiro Cego para se perceber isso).
Portanto, devo 20 euros a Pedro Picoito. E agradeço-lhe por isso.
[Sérgio Lavos]
23/10/07
Nossa Senhora Fátima
Visitar o café do bairro onde vivo a um dia de semana de manhã começa a tornar-se fundamental. A um dia do 13 de Outubro, é uma trip bestial ver o programa da Fátima Lopes e a turba de senhoras domésticas e reformados solitários que ainda não receberam o prometido telemóvel, glorificando-a acima de todas as coisas. Grita-se muito, nestes belos magazines matinais. Grita a Fátima, gritam os assistentes, gritam os convidados, gritam os repórteres de rua a entrevistar o Zé Manel que nos fala da Suíça e manda um beijinho a toda a gente lá em casa, lágrima ao canto do olho, caniche ao colo e bandeira do Glorioso numa mão, que a fé católica pode ser perfeitamente compatível com a crença sobrenatural numa entidade que ultrapassa em importância qualquer santinho, vidente ou virgem: o Benfica. Há razões perfeitamente válidas para a gritaria: as velhinhas deste país agradecem não terem de se levantar para aumentar o volume do aparelho – entre a surdez e a artrite, não é fácil a vida de um fã de Fátima Lopes.
Um senhor, emocionado, relata o último milagre da Senhora:
- Eu não via o meu sobrinho, vá lá, afilhado, há pr'aí trinta, bem, foram vinte, quer-se dizer, dez, ou seis ou sete, e encontrei-o, por acaso, numa missa ontem, à uma da manhã, estava atrás de mim, acredite (pausa para limpar a lágrima, o repórter diz: amigo, tenha calma. Respire fundo, se não não se percebe nada), acredite, Nossa Senhora foi quem fez isto, mando um beijinho para a minha filha de seis meses, e à minha esposa, que é belga, estou muito comovido...
Corte para a Fátima, passagem algures ao Algarve, onde se encontra Marco Paulo, que deve a vida à intervenção de Nossa Senhora:
- Foi graças a ela (mão no peito, rosto sofrido, olhos por detrás dos óculos escuros raiados de lágrimas) que recuperei da minha doença, devo-lhe tudo, daqui de onde estou, agradeço, que ela está aqui, a Nossa Senhora não é de Fátima, é do mundo, é do povo.
Regresso ao estúdio, alguém vai cantar, daqui a pouco publicidade e depois voltamos a Fátima, onde os milagres podem acontecer.
Não vale a pena procurar explicações para o fenómeno de Fátima noutro sítio que não seja o Portugal retrógado de 1917. Que, passados 90 anos, continua tão retrógado como era nessa época. Curiosa é a coincidência da Revolução Comunista ter acontecido na mesma época das aparições. Menos curioso é o facto das aparições terem sido utilizadas como arma política contra a emergência da nova potência comunista, a União Soviética. Imagino que as visões de Lúcia, de um apocalipse liderado pelas hordas de proletários, tenham mais a ver com a hierarquia católica ameaçada pelo ateísmo que o comunismo preconizava (apenas há lugar a um ópio para o povo, o belo ideal revolucionário propagado pelo Querido Líder), do que com algum cogumelo mágico encontrado pelos pastorinhos e pelo povaréu que se juntou ali na Cova da Iria (embora haja relatos de uma erva-do-diabo que crescia à sombra da azinheira milagrosa). Há árvores que choram, quadros de santas que sangram, cadáveres que não se decompõem, mas é difícil atingir o estado de delírio a que se chegou naquele dia. Tão delirante, tão delirante, que nem a fiável objectiva de Joshua Benoliel (por sinal, um ímpio judeu) conseguiu apanhar o milagre do Sol rodando sobre si próprio (há uma música sobre isto em “Piper at the Gates of Dawn”). Fixou-se antes na multidão de devotos, braços abertos em direcção ao céu, rostos crédulos e esfomeados esperando por um milagre que os salvasse da miséria em que viviam.
Salazar e a Igreja Católica encarregaram-se do resto. Fim da história.
Noventa anos depois, o delírio entra pelas casas dentro. E, no fundo, entre uma peregrinação a Fátima e uma visita à catedral da Luz não há muita diferença. Cada um dedica-se ao culto que mais lhe convém. E se possível, acumulando. Garantem-se assim maiores possibilidades de salvação. Amén.
(Texto originalmente publicado no irmão lúcia)
[Sérgio Lavos]
01/10/07
In Rainbows

[Susana]
12/09/07
Christopher Hitchens is great

No fim, só há duas respostas possíveis: ou Christopher Hitchens está certo ou está errado. Não estará por cá para saborear a vitória ou amargar a derrota - outra certeza. Todos os argumentos que possa usar contra a existência de Deus são improváveis. Por serem impossíveis de provar empiricamente, e também por usarem um tipo de argumentação que se baseia menos na razão do que no estilo. É claro que aquele sotaque upper-class embebido em álcool faz muito pela força dos argumentos; e, no processo, pelas vendas do seu livro ("God is Not Great"). Se quisermos pôr as coisas de uma maneira clara: num tempo em que a religião vai desaparecendo num estertor violento (fundamentalismo e terrorismos mais do que incluídos) um ateu marxista que defende a invasão do Iraque e do Afeganistão por razões anti-islâmicas apenas podia ser uma estrela emergente. Critica todas as religiões, eu sei. Mas fundamenta os seus argumentos nos malefícios da religião, direccionando os seus ataques a instituições seculares, constituídas por homens, misturando fé e organizações religiosas num cocktail, mais do que explosivo, absolutamente sexy. Atrai mulheres porque critica a misoginia das religiões; interessa a ateus porque tenta, atabalhoadamente, provar a não-existência de Deus (parece-me que a mais difícil das tarefas, mas quem sou eu?); e seduz o grande grupo neo-conservador e seus simpatizantes com a sua demanda anti-islâmica. Não é nada surpreendente, portanto, que um ateu que se afirma de esquerda consiga adquirir uma legião de admiradores na direita blogosférica, assim como no meio intelectual neo-conservador norte-americano (esses agarram-se a qualquer um que se aproxime do seu idealismo distorcido e anti-islâmico).
Esta bela campanha mediática tem conseguido vender uns quantos milhares de livros, é verdade. Mas se muitos daqueles que admiram a sua cruzada anti-religiosa lessem os seus textos pró-Bush, talvez a sua estrela empalidecesse um pouco.
E claro, temos sempre de ter em linha de conta o factor Abel/Caim. A luta fratricida de Christopher com o seu irmão crente e conservador, que ainda por cima se opôs à invasão do Iraque, Peter, é matéria que inflama qualquer alma. Quem não se pela por uma boa questiúncula familiar? Se é bom para o espectador de novelas, por que não será para o intelectual com dúvidas metafísicas? E dão-se bem, os irmãos? Vão fazendo o que podem pela vida.
[Sérgio Lavos]
17/08/07
14/07/07
3-3

A vontade humana não é coisa fácil de domesticar. Talvez a razão de não entender muito bem os misteriosos poderes da Fé. Agrilhoar-se a uma incerteza parece-me tão insensato como negar de forma definitiva essa mesma incerteza. (E Deus acena a cabeça em concordância comigo). O meu ateísmo suave permite, no entanto, que concorde com uma ou duas coisas: uma delas, na ordem do dia, é a missa em latim. Manter as massas na ignorância? Não, não entenderam nada. Tornar a religião humana, atribuindo-lhe a qualidade mais humana de todas: a capacidade de maravilhar, deliciar esteticamente. E Bento XVI, intelectual distante do paganismo inerente à religião católica, percebeu o que está em causa. Apenas a Razão pode estabelecer o catolicismo, e a Razão nasce da contemplação do mundo: o ritual, a envolvência, o confronto com o inefável. Nós, pobres ateus, nem sabemos o que perdemos.
*House empata no final, de acordo com um leitor. Devo ter adormecido a meio do encontro.
[Sérgio Lavos]