11/07/06

Sete Palmos de Terra

Adeus a todos.
Aqui há umas semanas, inadvertidamente, fui desembocar num sítio onde pude vislumbrar uma nesga do futuro - o final da série Sete Palmos de Terra. Vi alguns stills, li as sinopses de cada episódio até ao fim, soube tudo antes do tempo. Claro que não foi o mesmo que assistir às imagens em movimento; ler um guião não tem o mesmo encanto que olhar para a vida em imagens movendo-se. A derradeira sequência da série mostra-nos Claire a caminho do futuro, impossibilitada de fixar o passado numa fotografia de grupo. Há mais a dizer do que a previsível interpretação no diálogo trocado com Nate. A imagem capturada (o termo que eu quero aqui é mesmo este) pela máquina não pode abranger um passado que é constituído por memória e desejo de futuro. Um conjunto de corpos e rostos apenas faz sentido se for somado à totalidade dos segundos passados desde o nascimento, e isto a câmera não pode capturar. A de Claire e a de Allan Ball, que espreita por cima do ombro de Claire, apesar do ponto de vista ser frontal, focado no rosto de Claire e em Nate, duplo de Ball e a principal personagem da série - o realizador como fantasma pairando sobre o mundo criado. O truque da dupla imanência. Depois, Claire parte em direcção ao tempo que virá. Uma música evoca o tempo que acabou de passar e convoca o futuro que está apenas a um esforço imaginativo de distância. Tudo acontece em poucos minutos - três ou quatro, e o poder da música pop pode ser condensado nesta fórmula encontrada por Allan Ball. Os ponteiros do relógio imaginário avançam vertiginosos e indiferentes aos percalços da vida material paralela ao tempo que marcam. Todos morrem no fim. Claire recorda o tempo que acabou de passar e lembra-se de si própria inventando um futuro possível. Numa imagem, passado, presente e futuro coexistem, fundindo-se. Essa imagem é a imagem da memória; não que alguma vez os três tempos - como no conto de Charles Dickens - se tenham confundido; apenas a memória os pode tornar simultâneos. E, neste caso, apenas o cinema - porque falamos de moving pictures - se consegue aproximar da imagem mental, tem o poder de tornar mais claro o que antes era apenas sugestão e intuição pura.
Se a arte ajuda a repensar uma série de coisas na vida? Pergunta desnecessária; a arte pertence à vida, a resposta está incluída na oferta a que temos direito.
Até à próxima.

[SL]

Sem comentários: