15/07/06

Homens e ratos

Será Zinedine Zidane um jogador de futebol ou um homem? Será Zinedine Zidane um homem ou um muçulmano? Será Zinedine Zidane apenas um homem ou alguém que, por ter sido um dos melhores na sua área, merece um regime de excepção no julgamento da sua conduta?
A justiça do futebol avalia o caso e prepara uma sentença que já não o poderá atingir - porque ele já não pertence a esse mundo. Mas, pelo andar do caso, provavelmente também Materazzi irá ser condenado. Por que razão? Por ter insultado Zidane. Facto que acontece dezenas de vezes durante os jogos, note-se. Coisa habitual, lugar-comum. Mas, extraordinária coincidência, assiste-se a uma inversão na ordem natural da lei humana. Há quem considere mais grave o insulto de Matterazi do que a cabeçada de Zidane. Sendo que o primeiro ninguém ouviu, a não ser o ofendido e o ofensor, e o segundo foi visível para toda a gente.
Retórica subtraída ao raciocínio, resta apenas outro factor na equação: o facto de Zidane ser muçulmano. É que a ofensa de Materazzi foi primeiro denunciada por organizações anti-racistas, e a onda de perdão a Zidane iniciou-se aí. Os franceses desculparam o gesto irreflectido, e Zidane foi à televisão lamentar o sucedido apenas porque crianças assistiram a tudo. Será que sou apenas eu a achar a justificação de Zidane hipócrita? O que ele lamenta não é a agressão, mas sim o facto de esta ter sido mediatizada. Em privado, nem seria necessário o acto de contrição - que não o chega a ser. Será este o exemplo que os ídolos devem dar a quem os segue? Será normal esta atitude de achar que o pecado é menos grave se for praticado às escondidas?
Materazzi é tudo menos um jogador correcto em campo - tantas as vezes que ele já foi castigado por conduta anti-desportiva. E acredito que ele tenha sido especialmente insultuoso com Zidane. De resto, não gosto da arrogância italiana nem dos modos ínvios que eles têm de agir no futebol - isto é uma generalização, eu sei, mas agora fala a minha costela de adepto. Preferia que a França tivesse ganho, e que Zidane, que muito contribuiu para o engradecimento de um desporto que caminha a passos largos para uma vulgarização mecanicista - e economicista - sem emoção nem beleza, acabasse a carreira em glória; aqueles pés que pareciam falar baixinho com a bola, aquela mente que inventava espaços e criava passes impossíveis, mereciam um final noutro estilo. Não aconteceu desse modo; mas, assim como um gesto irreflectido não apaga uma carreira, também essa carreira não deve servir de atenuante no castigo da violência. E a religião é apenas uma daquelas coisas que me provocam urticária, um nó no estômago. Deus merecia mais do que estes novos cruzados; mas merecia também que ningém falasse abusivamente por Ele. Mas - já sei - a Religião nada tem de Divino - é um assunto de Homens. Lamentável.

[SL]

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