07/07/06

O Ajudante

Gonçalo M.Tavares, numa entrevista em Por Outro Lado (2:), dizia não se interessar pela biografia de um autor, alegando que os textos valem por si. É verdade, mas há excepções.
Robert Walser, por exemplo, pretendia fazer um romance contínuo da vida, um Eu-livro, e é sabido como os dados autobiográficos são importantes neste projecto mas, também é sabido que Jakob von Gunten (do romance homónimo) e Joseph Marti (O Ajudante) não são Robert Walser, ainda que este seja um pouco dos dois.
Quando começamos a ler O Ajudante reconhecemos que se trata de um livro inspirado e dedicado ao ajudante de escritório e, parece-nos, que nenhum aposentado desta profissão poderá ficar indiferente a esta narrativa. Como ler, por exemplo na pág.116, “tinham chegado da tipografia umas quantas centenas de circulares. Joseph começou a dobrá-las no tamanho exacto dos envelopes, para que pudessem ser enviadas para o mundo inteiro” ou “o ajudante ficou a dobrar circulares até à hora de almoço, um trabalho que lhe parecia alegre e intelectualmente estimulante”sem haver identificação?
Joseph Marti inicia-se nesta actividade cheio de esperança, de brio profissional, de vontade em ser útil, de redigir correctamente as cartas, liquidar a tempo as facturas, mas, aos poucos, vamos acompanhando o seu declínio.
Como seria aborrecido se a inspiração de uma vida não se tornasse criação artística, como seria aborrecido ler o diário das experiências de Walser enquanto estudante na escola de mordomos, inspirando Jakob von Gunten, e enquanto contabilista de um engenheiro, inspirando O Ajudante. Marti não é apenas um ajudante de escritório, assim como von Gunten não é apenas um aluno no instituto Benjamenta. Aqui, onde os dados autobiográficos se encontram com a ficção, compreendemos que, se Walser se inspira na vida, ele também a reinventa. O que fascina nestes livros são as mudanças que Joseph e Jakob não conseguem conter, quando a dúvida abala o voluntarismo e o interesse pelas tarefas diárias, levando-os a questionar a preparação para a vida. O voluntarismo desvanece e só fica a dúvida, o sentimento de não merecer sequer o pagamento semanal ou a estadia oferecida.

[SV]

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