Há, na geração a que eu, talvez de modo absurdamente relutante, pertenço, um gosto por coisas que nada têm a ver com os anos de crescimento, os decepcionantes anos 90. Essa geração – que, repito, é uma completa abstracção, resultado de várias asserções que podem, ou não, estar correctas, da minha parte em relação ao grupo de pessoas que entra agora – ou anda lá perto – na casa dos 30. Essa geração, dizia, prefere refugiar-se numa década que não é a sua. Os anos 80. A música é uma das principais marcas desta fuga para um passado que nunca existiu. O revivalismo – única componente verdadeiramente original da música produzida nos últimos 10 anos – alimenta-se das bandas que cresceram e morreram nessa década maldita e nos anos imediatamente anteriores. Tempo mítico (tão bem retratado por Brett Easton Ellis no seu romance “O Psicopata Americano”), que conseguia criar no espírito burguês alimentado pelo crescimento económico acelerado uma ilusão de rebeldia sem substância, desencantada e folclórica, que passava pela construção de uma imagem distante da essência que imitava. Isto é verdade para quase todas as correntes da década de 80: desde a última estirpe de punks até aos neo-românticos, passando pelos urbano-depressivos que degeneraram em clubbers alienados pelas novas drogas sintéticas – penso em Manchester e nas vagas de bandas e seus respectivos criadores, claro. Nada era verdadeiramente genuíno – talvez apenas a melancolia e o arrojo formal das roupas e das composições musicais.
Os anos 90 trouxeram a depressão depois da euforia. Nasceram com o grunge, corrente de saudosistas do punk em conluio com o baladismo de singer-songwriters como Neil Young, que levavam demasiado a sério o seu papel de estrelas rock provisórias – Kurt Cobain nem se apercebeu da ironia de tudo. A música de dança electrónica culminava numa supernova que estilhaçou a cultura de clube que surgira dez anos antes – o apogeu das raves ganhou contornos de decadência com o novo poder dos fundamentalistas dos tempos modernos: a diversão passou a ser vista não como sinal de rebeldia, mas sim de declínio dos valores ocidentais. (Como se o Império Romano não tivesse sobrevivido à custa dos hábitos desregrados da elite dirigente). Nesses anos, os grupos purificaram-se: havia quem gostasse só de metal, os que gostavam apenas de grunge, os ravers, os hip-hoppers (em Portugal poucos), os góticos e essa grande mancha indistinta que orgulhosamente se chamava a si própria de “alternativa”. Não interessava a metade que faltava na designação. Alternativa a quê? Era o estilo, acima de tudo.
Mas chegamos a esta década, e as diferenças esbatem-se. A electrónica contamina o rock, a pop mais estimulante vende milhões – Gorillaz, Outkast e Gnarls Barkley, por exemplo. Nada é original, não há nenhum novo género musical – como houve o trip-hop e o drum’n’bass antes – ou se há não passa de um logro, vende-se gato por lebre, vestindo-se com roupas novas sons que existem há muito (grime, o que é isso?) Vivemos mergulhados no cruzamento de referências e influências. Tudo é pós-qualquer coisa e deixa de o ser ao segundo ou, vá lá, terceiro álbum. Se as canções não existem, se os músicos não conseguem construir um som próprio a partir da arca de referências onde vão buscar inspiração, nada feito; na música pop, tudo tende para o desaparecimento. E isto não é necessariamente mau.
Esquecemos os anos 90. Movemo-nos ao som de bandas que bebem nas décadas anteriores, com especial insistência na década que há uns anos atrás todos amaldiçoavam. Saudades de um passado que não existiu.
Adenda: Esta entrada, ao contrário do que eu pretendia, não menciona nem os Loto, portugueses que acabaram de lançar o seu segundo álbum, no qual participa Peter Hook – sabem quem ele é – nem das possíveis razões da fuga para a frente da geração a que pertenço. Definitivamente, será que ainda posso continuar a achar que sou eu que controlo as palavras que escrevo? (Escrito depois de ter visto um decepcionante Alberto Pimenta - de quem admiro muita coisa há muito tempo – a ser entrevistado por Paula Moura Pinheiro no Câmara Clara, na :2. A mão como instrumento da palavra... o sexo como instrumento do amor... preciso de dizer mais?).
[
Sérgio Lavos]