30/01/07

A realidade, agora a cores

Escrevo aqui e quem me conhece sabe que sou eu que falo, quem não me conhece imagina alguém que escreve que não tem nunca nada que ver com aquilo que realmente sou. Sou lá fora e nunca ninguém realmente sabe quem eu sou, apenas os que me estão mais próximos se aproximam da personagem que escolhi ser - o contrário de representar. Quem me lê apenas pode acreditar nas minhas palavras, não na verdade que elas transmitem. A verosimelhança é um recurso simples de imitar, mesmo quando escrevemos a verdade. Ser intimista é, de algum modo, disfarçar o que sentimos confiando ao leitor a chave da casa errada. A ficção tem desculpa quando é escrita, é um crime quando é vivida. Lembro-me da história contada de por Emanuélle Carrére em "O Adversário"; um homem que finge durante anos a fio uma vida perante a família. A repetição do ritual diário de ser. Baseado numa história verdadeira, como anunciam por vezes os filmes americanos. A repetição do ritual diário de existir. Nunca poderemos obter o perdão que desejamos para os nossos pecados privados. Mas poderemos nós exigir o perdão para os nossos pecados públicos? Ou inventar uma personagem que desculpe as fraquezas da nossa vida privada? Escrevo isto sabendo que não me acreditam, depois de ter lido uma entrada do Henrique no blogue Insónia (sigam os links), depois de ter seguido o percurso de um rumor, um boato, uma terrível história inventada. Escrevo sem ter a certeza se a trama foi resolvida, sem saber se algum novo capítulo se acrescentará à história. Um dos actores da sórdida novela é alguém que habituei a respeitar por razões que diferem da realidade. Paulo José Miranda é, para mim, o escritor que gostei de ler em tempos, não a voluntária ou involuntária personagem de uma história que apenas podia ter acontecido neste admirável mundo novo em que vivemos. Ou já não é. Tornou-se um nome referido no cast final de um filme, um desconhecido. O que a literatura me tinha oferecido a ficção rasca da realidade agora me tirou. Não sinto saudades do que perdi.
Aprendemos a confiar em impulsos electrónicos, pixels, palavras num ecrã. Criamos personagens, enredo, incluímo-nos na história. Não pode haver qualquer mágoa, arrependimento, neste facto.

[Sérgio Lavos]

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