27/04/06

Azar

A unanimidade lusitana em torno do Barcelona de Ronaldinho começa a enjoar. Compreendo a súbita adesão dos três milhões de portugueses que não são do Benfica, ainda que esta se tenha limitado a um arco temporal de duas semanas; no entanto escapa-me a razão da persistência do fenómeno. Olhemos para o jogo de ontem, por exemplo. Uma ressalva, antes de mais: o modo de jogar italiano, espreitando o erro dos adversários, expectante e cínico, está longe de me tocar o coração. Ainda assim, prefiro a eficácia italiana ao jogo feio dos alemães, por exemplo. Compare-se os jogadores mais importantes de um e de outro país para que se perceba do que estou a falar: a Alemanha teve Beckenbauer, Rummenigge, Klinsman, Mathaus e Sammer, e agora parece que tem um dos mais sobrevalorizados jogadores europeus, Michael Ballack; a Itália conseguiu mostrar ao mundo jogadores como Paolo Rossi, Baggio, Mancini, del Piero e os dois melhores defesas dos últimos 20 anos - Baresi e Maldini. O rigor do cattennacio conseguiu sempre guardar um espaço para a criatividade dos génios. Lembre-se apenas que até o melhor jogador de sempre (aquele cujo nome preferimos omitir) passou por Itália.
Mas, adiante. Tendo presente esta desconfiança em relação ao futebol transalpino, quero falar do que se passou ontem, e de como foi injusta a avaliação que a generalidade dos jornalistas fez do jogo. O Milão, surpresa, atacou mais, teve mais posse de bola, circulou bem o esférico, conseguiu, a determinada altura, dar a impressão de que iria dar a volta à eliminatória, e até marcou um golo por Schevchenko - jogador subvalorizado na medida inversamente proporcional à sobrevalorização de Ballack. Costacurta, sobra (como Maldini) da equipa perfeita de Arrigo Sachi, conseguiu secar Eto'o; Ronaldinho, se descontarmos um ou outro momento de assombração na segunda parte (aquele controlo de bola de costas para a baliza e o passe a gazuar a defesa milanesa são apenas um pormenor) pouco se viu (vamos fingir que assim foi). Apenas Iniesta - que ainda não descobriu que pertence a uma linhagem de foras-de-série que passa, inevitavelmente, por Guardiola - e Deco conseguiram sobressair. Como já se tinha visto na eliminatória contra o Benfica, o Barcelona é uma equipa que joga à italiana, funda a sua táctica no pressuposto causal de que o opositor acabará eventualmente por perder a bola. As jogadas mais perigosas surgiram depois de erros do meio-campo do Milão. Aparenta jogar ao ataque, coloca muitos jogadores perto da área adversária, mas defende à maneira de um Liverpool ou de um Chelsea. Porque tem Deco, o médio criativo que mais defende no futebol mundial, e tem avançados que estão sempre disponíveis para o trabalho sujo. Ontem, quando Cafú entrou, Rijkaard não teve vergonha de encostar Eto'o ao lado esquerdo, marcando em cima o brasileiro trintão. Assim se consegue ganhar jogos, principalmente se na frente se tem alguém como Ronaldinho.
Expliquem-me lá, o golo não foi limpo? E será o Barcelona a melhor equipa da Europa, ou é apenas um excelente golpe de marketing? Depois do falhanço da época passada, há quem esfregue as mãos de contente com a presença da equipa catalã na final. O Arsenal terá sido um percalço, um acidente nas contas de quem manda. Ainda assim, infinitamente melhor que um Monaco, um Porto, ou até, digamos, um Benfica. A alegria da claque barcelonista portuguesa não é, porém, ponto assente. Aquele meio-campo, que apoia o melhor ponta-de-lança do futebol actual (Henry), não é propriamente a intermédia sarrafeira do Benfica, por isso não sei se será desta que Ronaldinho conquista o seu título. Que os deuses estejam do seu lado. E, já agora, também o árbitro.

(A imagem é do melhor jogador do encontro, Costacurta.)

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