No texto anterior, devo ter cometido, em pensamento e em palavras, vários lapsos que Freud não desdenharia usar contra mim, caso algum dia fosse psicanalisado por ele (é assim: vivemos de probabilidades, e como eu nunca pus os pés no consultório de um psiquiatra, psicólogo ou qualquer outra criatura da família psi, posso imaginar esse encontro); primeiro escrevi (e publiquei) "armas perdidas" em vez de "almas perdidas"; não me ocorreria conscientemente a associação entre alma e arma, mas parece-me que o tom do texto, até aquele ponto, seria de um belicismo que justificava semelhante deslize. Repeti também a palavra "absurdo", em duas linhas seguidas, o que por si só é incompreensível.
Um pouco de análise então, que eu também consumi o meu Freud, sob a influência de uma amiga que em alturas de aflição recorre à capelinha da psicanálise, e passei muitos anos a ver repetições de filmes de Woody Allen no canal Hollywood: está feita; a explicação que dei para o meu erro não permite outros avanços. Tudo é uma questão de linguagem; os milhares de páginas escritos pelo psicólogo vienense são uma efabulação de génio. Efabulação não no sentido de ficção, que pode ser entendida como uma tentativa de criar uma realidade alternativa à realidade, digamos, "real", mas no sentido de desenvolvimento de um campo teórico de possibilidades para fenómenos que não entendemos; e o espírito humano sofre do mesmo problema que os nossos oceanos: tão próximo e ao mesmo tempo tão desconhecido. Freud foi um Ahab tão falhado como o herói de Melville, uma obra inteira perseguindo uma baleia branca que nunca conseguiu verdadeiramente entender - e falo, é claro, da mente feminina (e isto não é só uma piada).
[Sérgio Lavos]