16/07/08

Americana

Desde que li Pela Estrada Fora que tenho decidida a viagem de uma vida. Assumir o cliché não é uma coisa fácil; contudo, não lhe consigo escapar. América fora, de costa a costa, procurando perder-me do mundo. Falar de uma viagem que não sei se irei algum dia concretizar pode parecer um gesto de pedantismo inútil ou de imaturidade temporã. Mas cada viagem começa antes de verdadeiramente começar. A antecipação, como no sexo, é quase tudo. O que vai alimentando a vontade é a literatura, o cinema, a fotografia, a arte. O lugar-comum da Americana, nos livros da geração beat, de Don deLillo, de Sam Shepard; nos filmes de Hal Hartley ou Wim Wenders (fabuloso o último, sobre o qual não cheguei a escrever, Don't Come Knocking, também com Shepard como actor e argumentista), de Terence Malick (novamente Shepard em Days of Heaven); nas fotografias de Ansel Adams ou Dorothea Lange, nos quadros de Hopper e dos seus mestres da Ashcan School. Uma viagem alimenta-se das imagens que a antecedem, é simultaneamente um acto primordial, eco de um nomadismo perdido, e um rito eminentemente cultural, de partilha e de conhecimento. Conhecer a América antes de a conhecer, neste momento acompanhando a deambulação de Pedro Duarte Bento no Vontade Indómita; e as fotografias, excelentes.
Chego a pensar que a realidade me irá desiludir; uma imagem é um corte no mundo, que deixa de fora tudo o que não lhe interessa. Não importa. A América, na verdade, não existe; ou não sabemos nós que tudo é ilusão, engano dos sentidos?

[Sérgio Lavos]

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