A ruralidade, para um mundo cada vez mais urbano, é normalmente associada a atraso ou a nostalgia; lugares para esquecer ou lugares para lembrar um tempo que passou, lugares de retiro para a burguesia citadina; entre o escárnio de programas como o degradante Tele Rural, e as reportagens de fim de Telejornal produzidas em aldeias esquecidas pela globalização, a vida moderna vai fazendo por esquecer um mundo que, a julgar pelas notícias da iminente catástrofe ambiental, irá fazer parte, mais cedo do que pensávamos, do quotidiano das próximas gerações.A corrente de informação apaga os registos desse tempo. Aldeias que se tornam vilas, cidades, ou inexoravelmente desaparecem; hábitos que apenas os velhos mantêm, tradições que não serão recuperadas. É assim o progresso. O que fica guardado na Internet e nos arquivos dos meios de comunicação nunca será a realidade que existiu ou mesmo o real que é contado pelos velhos, o real reflectido no espelho distorcido da ficção - a literatura oral que, mais cedo ou mais tarde, iremos dispensar.
Prefiro pensar em coisas velhas, cheiros antigos, quando penso no campo; onde cresci. Lembrar os dias sem fim, ouvindo os animais de verão; ou simplesmente repelir a racionalização de um sentimento e não lembrar nada disto; recordar apenas a imaterialidade de tudo, a liberdade de não saber minimamente o que iria perder quando crescesse.
Encontrar em alguns poemas de João Miguel Fernandes Jorge parcelas da minha infância (o Oeste) ou partilhar com Al Berto a sensação de um espaço e de um tempo perdidos. Recuso portanto a dialéctica do atraso e da nostalgia, e repudio a visão patusca, paternalista, que os burgueses com casas no campo parecem preferir. Apenas a cidade me permitiu amar o campo; devo-lhe isso - não é fácil reencontrar o caminho de uma raiz que se estende em direcção ao passado.
E entre a árvore e a raiz que a prende à terra, o mundo.
[Sérgio Lavos]
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