18/08/06

O mal dos blogues (1)

Qualquer texto sobre o tom dos blogues e o tom da crítica ou da escrita jornalística, depara logo à partida com um intimidatório paradoxo: como publicar uma reflexão minimamente fundamentada no espaço de velocidade absoluta de um blogue? A reflexão exige um tempo e uma lentidão que não se compadece com o ritmo acelerado e diarístico a que blogues recorreram desde o seu aparecimento. Essa é uma das dificuldades no empreendimento de pensar a blogosfera a partir de dentro. O esforço louvável de Luís Carmelo no seu Miniscente é uma excepção, e ainda por cima inquinada a partir de determinado momento, quando o autor decidiu publicar os textos tendo como fim a publicação em livro. Pode-se falar em cedência ao maior poder comunicativo do livro impresso, mas a principal razão será a intuição – julgo que correcta – de que a mensagem não estava a passar como devia. Afinal, quem, de entre os leitores habituais de blogues, se dignou a ler todos os textos da série, do princípio ao fim, com a atenção devida a tal empreendimento? Mas dever-se-á censurar a distração e o cansaço dos leitores? Claro que não, simplesmente a leitura de um blogue não é a mesma coisa que a leitura de um livro, e a distinção não é apenas superficial, é de fundo. O prazer físico de folhear o objecto, riscar, sublinhar, saltar páginas, voltar atrás, levar na mala para qualquer lado é uma barreira inultrapassável. É mais fácil pensar com um livro nas mãos do que com um monitor de computador à frente. E Luís Carmelo sabe disto, daí a decisão tomada.

Mas a conversa não pretendia tomar este caminho. Questiona-se Carlos Leone no seu blogue, Esplanar, e na entrevista ao suplemento do DN, 6ª, sobre a verdadeira valia dos blogues para o espaço de intervenção crítica em Portugal. As dúvidas facilmente se podiam estender ao mundo em geral, e existem já dezenas de obras interessantes sobre o assunto, mas limitemos a questão ao meio intelectual português. Os pessimistas afirmam que o espaço de reflexão – e uso este termo em substituição do mais indefinível “crítica” de modo pouco inocente – se tem vindo a reduzir drasticamente. Carlos Leone insiste mesmo que o problema não é de agora, é de séculos, e os blogues, ao contrário do que hipoteticamente defende Pedro Mexia, não vieram mudar radicalmente o panorama. Não se reflecte nos blogues como não se pensa nos jornais nem nos suplementos culturais, como não existe verdadeira crítica ensaística publicada, salvaguardadas as excepções da ordem. Mas o que se poderá exigir da blogosfera, que salve algo que, na realidade, já não existia em Portugal há muito, ou que no limite nunca existiu? Uma reflexão viva, plural e fértil, em que as polémicas sejam mais do que fogachos breves e os grupos mais do que confrarias de amigos é uma utopia desejada desde sempre pelos poucos que se destacam na Cultura portuguesa. As desvantagens do meio são sistematicamente evidenciadas por quem ainda não aderiu ao fenómeno, mas também por quem já aderiu mas mantém uma saudável e irónica distância de tudo. Carlos Leone alinha nisso também, e acaba por ser difícil não lhe dar razão. Mas a verdade é que, no meio de tanta mediocridade blogosférica, acaba por haver uns quantos espaços de absoluta democracia, liberta das amarras de grupos de interesse ou de chefias editoriais, espaços que, de outro modo, não estariam acessíveis ao público que ainda se interessa por mais do que sound-bytes e tops de vendas na sua busca de informação ou cultura. Lugares que, sim, são de reflexão, provavelmente como há muito não se via em Portugal. O que acaba por parecer uma fraqueza – o excesso de opinião, cadinho da mais pura ignorância ou da mais ignominiosa má-fé – torna-se força, ponderados os vários ângulos do problema. E a prova já está aí, à vista. A nova geração de intelectuais move-se à vontade neste meio ou começou mesmo aqui, e penso em Rui Tavares, João Pedro George ou até mesmo no próprio Carlos Leone. Ou, noutro sentido, Pedro Mexia, João Pereira Coutinho, Luís Rainha. (O exemplo extremo no grupo mencionado será o historiador Rui Tavares). Mas o mais interessante, imagine-se, é que não se trata de uma questão de força de pressão ou de amiguismo, mas sim de inquestionável mérito. Que começou, ou teve maior expressão mediática, em quase todos os nomes referidos (e deve haver outros de que agora não me quero lembrar) na blogosfera.

(Continua)

[SL]

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