07/08/25

Regresso

Passo mais tempo dentro
do que fora.
E dentro vai-se acalmando
o tempo, desacelerando
seu passo,
esperando que em si germine
a semente de onde nascem
as minhas mãos e a corda
que as prende ao seu destino.
 
O meu país é pequeno,
tão pequeno como o coração
que o abriga,
tão grande como esse golfo
de sangue onde o dia
aporta, o curto tempo
e a breve praia onde espero
dormir depois do naufrágio.
 
Faço companhia aos peixes
e nesta masmorra 
o tempo passa
tão devagar como o meu desejo dele,
esse mesmo desejo que nos
engole como onda
em mar bravo,
golpe solto,
cumprindo a hora fosca
seu desígnio quando
os barcos de Ulisses
entram na baía 
do regresso.
 
Passo mais tempo
dentro de mim
do que ao largo de mim,
e no céu onde mergulho
há um monstro familiar
puxando-me em direção ao fundo,
na sua boca um rosto
no seu rosto o sangue
desenhando a verdade
que agora liberto:
 
um dia,
qualquer dia,
talvez não encontre
o caminho de volta,
e assim está bem, aceito isso,
as mãos precisam de sombra
para cumprir seu destino.

28/07/25

Um ritmo

Quem conhece a vida sabe que o seu ritmo não tem um compasso certo. Flutuações e desvios, abrandamentos e acelerações, incertezas, infortúnios e alegria. Mas a pergunta que devemos fazer não é se conhecemos a linha que a define, mas se conhecemos na verdade a vida, o seu rosto, o seu coração intenso? Deveríamos ser mineiros, martelando, escavando até encontrarmos o minério negro que habita na mais profunda noite, mas preferimos ser ilusionistas à frente de um espelho, criando a conjura e o próximo engano. Precisamos de quem nos roube o reflexo, de quem nos ajude a descobrir o mistério, a enfrentar o medo. Mas dancemos antes, até gastarmos a sola dos sapatos! No fundo do covil construído, a espessa vontade de veemência.