04/09/13

Notas para uma crise (6)

Esta notícia de um edifício construído em Londres que, devido à sua forma côncava, reflecte o sol, provocando danos em outros edifícios e carros próximos, leva-me a acreditar que há vários graus de falhanço a que todos podemos estar sujeitos. Há os grandes, gigantescos falhanços, tão grandes que são perdoados e compreendidos por todos - nesta categoria incluiremos sem dúvida os falhanços dos políticos e dos economistas. Acrescente-se que, de qualquer modo, este fracasso não é entendido como tal por quem nele se enreda. A qualidade de um político mede-se quase sempre em função do limite a que pode ser levado o seu estado de negação. Acredito que um político que fracasse tanto e tão completamente que se torne humilhante aos olhos de qualquer ser humano que saiba o que é vergonha alheia tenha poderes especiais; isto é, criou uma carapaça tão forte que nenhuma crítica lhe belisca o ego. Não falha não porque não falhe - mais do que os outros - mas porque nunca chega a assimilar a magnitude do seu falhanço. É como a mentira. Um político não mente porque na realidade a partir de certo ponto sente a verdade como mentira e a mentira como verdade. Se for demasiado sincero sabe que, quando chegar a altura, falhará na sua promessa, por isso mente de antemão e mente durante e mente depois de ter contradito a promessa. Ora, alguém que nunca mente - porque, do mesmo modo que um psicopata não sente empatia, é falho na compreensão da mentira que ensaia - também nunca falha. As biografias dos políticos são monumentos à elipse e ao esquecimento. Tudo o que é grandioso cabe lá, e os falhanços só lá entram na medida em que consigam mostrar um lado mais humano do político. Muitas vezes, nem falhanços são; são circunstâncias enquadradas por momentos, condicionados por conjecturas e especulações provisórias. Acidentes de percurso que nunca poderiam ter acontecido de outra maneira, e aos quais a vontade do político é imune.
Mas adiante. O arquitecto que projectou o edifício certamente que não pensaria, enquanto desenhava no seu atelier, que tal poderia acontecer. Londres até é uma cidade com pouco sol, e por aí fora. Há quem diga que para cada projecto de arquitecto é preciso um engenheiro para manter a estrutura em pé. Quem costuma afirmar tal são, como seria de esperar, engenheiros. Que quase sempre são tão falhos de imaginação e criatividade que apenas poderiam ter-se tornado engenheiros. Mas seja como for, neste caso o falhanço é tão grande como o daquela ponte que há uns anos foi construída numa cidade americana e que, à primeira tempestade que a atingiu, foi arrancada das fundações pelo vento. 
O que sentirá o arquitecto? Certamente culpa. Sobretudo vergonha. A vergonha que raramente assola o político. Vergonha por ver o seu falhanço exposto à inclemência do mundo. Nenhum ego poderá resistir a tal erro. Os mais fracos dirão: apenas falha quem chega a tentar. Não deixa de ser verdade, mas para tal falhanço não foi preciso risco; apenas uma enorme insensatez. Seja quem for, não vou ter pena de quem falhou por tanto. Deve ser uma arte respeitável, saber expôr-se a exigências humanas, à cruel mão do destino. Preferiria mil vezes que existissem mais falhanços deste e menos dos políticos. Por cada edifício mal estruturado, há um crime involuntário a ser cometido por causa do falhanço de um político. Não perdoar os primeiros e aceitar os segundos torna isto tudo muito mais difícil.

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