20/06/13

Notas para uma crise (4)

Comecei este blogue em Março de 2006. Antes, tive outro blogue (o Arquivo Fantasma) que se iniciara em Janeiro de 2005. Desde o início, escrevi para não deixar na gaveta, para tornar público o que durante muitos anos era privado. O exercício da escrita - poemas, ficção, prosa não ficcional - é coisa antiga, começou mais ou menos na mesma altura em que percebi que a leitura poderia ser um prazer permanente na minha vida. Não sabia aos dez anos que uma década depois a escrita faria já parte da minha identidade, do meu "eu", não freudiano, mas expressão da minha consciência no mundo. 
(Digo não freudiano porque desde sempre considero que a escrita esconde mais do que revela, é mais impressão de uma realidade - mesmo que seja interior - do que expressão de uma verdade.)
Durante oito anos, não cheguei a perceber para que serve um blogue, para além dessa vontade de oferecer algo que se calhar não tem qualquer interesse. A minha perspectiva mudou quando fui convidado para escrever no Arrastão. Fiquei lisonjeado pelo convite porque significava um reconhecimento. Aceitei pensando continuar a escrever sobre o que escrevo aqui, ampliando os meus interesses para a política (tema que raramente me estimulou no Auto-retrato). No fundo, a decisão tomada não teve qualquer ponderação grave. Um blogue é um blogue é um blogue, a importância disto tudo é nula. 
Mas a verdade é que escrever para o Arrastão me foi afastando do Auto-retrato. Pior: escrever no Arrastão implicou sempre um esforço de apreensão de um mundo que eu considero, desde cedo, uma poça fétida onde os medíocres gostam de chafurdar - a política. Não que não tivesse prestado atenção à política desde sempre, e que não ache que não seja essencial manter essa atenção para compreender porque estou aqui, agora, e para onde posso ir, e como. Mas o exercício de escrever com regularidade sobre politiquice e questões que, para todos os efeitos, me transcendem (e à esmagadora maioria das pessoas), fugindo do meu controlo, tornou-se uma pedra de moer e ao mesmo tempo um vício - o prazer imediato do comentário sobre a actualidade, as polémicas, a verrina, conseguem realmente viciar. Mas afastam-me do resto, do coração da escrita, daquilo que eu era antes de começar a escrever sobre política.
Tudo isto cansa. A vida cansa. As possibilidades que se estreitam e os caminhos que deixam de se bifurcar começam a pesar nas decisões. O tempo é uma seta apontada ao futuro - e mesmo que não saiba qual é esse futuro, sei que não posso ir por aí, pelos desvios que reclamam a atenção e a afastam do que realmente conta. Como há coisas, muitas, que não consigo controlar, só me resta concentrar no que consigo. 
O meu objectivo: regressar ao Auto-retrato e começar a ter a mesma regularidade que vou tendo ainda no Arrastão, abandonando temas políticos. Deixar respirar a escrita, libertar-me do que não consigo mudar. Pode ser que daqui a algum tempo volte tudo à casa desta partida. Veremos. Não sou dogmático.

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