22/04/13

Notas para uma crise (1)

Não posso dizer que nunca tenha pensado em estar desempregado. Mil e trezentos milhões num país de dez milhões é muito, demasiado. Podia calhar a mim, como calhou. Dez dias e uma visita ao Instituto de Emprego e Formação Profissional depois, tenho tudo para poder embarcar no maravilhoso mundo do empreendedorismo. Ou então emigrar, como a maioria das pessoas com vontade e capacidade está a fazer. O país desperdiça os seus mais valiosos recursos, blá blá blá, e aqui estamos. Claro que o país não desperdiça nada; quem nos desperdiça é quem nos governa, e desperdiça-nos porque na realidade não nos governa, mas isso é outra história. Quando tudo acabar, estaremos todos muito mais felizes - menos os que morreram pelo caminho.
Na sexta-feira, a tal visita. Esperava mais gente, confesso. Meia dúzia de pessoas, mais um grupo alargado de desempregados que foram chamados para um acção de formação. A chamada parecia a de uma parada militar ou de uma revista na prisão. Uma senha pedida a um segurança de uma empresa privada que me pareceu claramente estar ocupado em funções - distribuir senhas - que não deveriam ser suas. Os serviços públicos estão com falta de pessoal - Portugal é mesmo o país da UE que mais funcionários públicos despediu, desde 2011, à frente da Grécia e da Irlanda. Não interessa. O Governo quer despedir mais 50, 100 mil, o céu é o limite. Que se lixe. 
Esperei pouco tempo e lá me chamaram. O funcionário foi fazendo as perguntas do questionário - sim, estive empregado na empresa doze anos; sim, rescindi contrato porque tinha quatro meses de salário em atraso; sim, estou disposto a abdicar de parte do que vou receber de subsídio se tiver uma proposta de trabalho minimamente aceitável. E sim, prometo apresentar-me quinzenalmente na junta de freguesia, como se fosse um arguido com pulseira electrónica. Desempregado está suficientemente próximo da situação de arguido, somos todos suspeitos aos olhos do poder político. Os desempregados de longa duração, sem subsídio e com RSI, terão de fazer trabalho escravo para justificarem os 80 euros que recebem do Estado. É justo. 
Um mundo de oportunidades espera-me, se calhar não estou a ver as coisas bem. Voltei para casa a pé - vou aproveitar o desemprego para finalmente fazer o exercício físico que ando a adiar há tantos anos. O que vem por bem compensará o que perdi. Não posso bater punho porque não sou um perfeito idiota; ou provavelmente sou e ainda não me dei conta disso. Os cretinos tomaram conta do navio porque nós permitimos, vamos permitindo. Há maneiras piores de um país apodrecer.

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