25/06/08

O segredo de um cuscuz

A distinção entre cinema comercial e cinema de autor é por vezes difícil de estabelecer, para não afirmar que é redutora. No entanto continuo, ao ler a crítica de cinema jornalística, a ver reafirmada esta diferença, como se um filme se definisse pela quantidade de pessoas a que ele tem acesso. A disponibilidade do espectador é volúvel, e por vezes fenómenos de popularidade assustam quem ainda se propõe fazer estes exercícios ultrapassados de crítica. Nem é preciso referir Hitchcock, Billy Wilder ou John Ford para colocar um ponto de interrogação na separação entre cinema de autor e cinema comercial. O exemplo mais recente é, claro, O Segredo de um Cuscuz, estrondoso sucesso de bilheteira em França e vencedor dos Césars, e estreado entre nós em poucas salas. A questão é: todas as críticas que li ao filme, na imprensa portuguesa, destacavam, em forma de aviso ao incauto público, que o filme tinha sido o mais recente sucesso do cinema francês; e, nas entrelinhas, sussurrava-se: a malfadada Amélie Poulain. Ora, o filme não é nada do que é dado a entender, e quer-me parecer que alguns críticos tresleram os textos publicados em revistas de cinema francesas: o tema existe, mas a leitura que é feita acaba por ultrapassar a questão (Renoir é citado).
Posto isto, o filme de Abdel Kechiche é um daqueles ovnis que deixam pouco espaço às (minhas) palavras. Prolongo há duas semanas aquele momento em que saímos de uma sala de cinema embasbacados; o silêncio depois, e por enquanto apenas isto.

[Sérgio Lavos]

Sem comentários: