07/02/07

Lição nº1

Já foi escrito tudo sobre tudo. Sobretudo foi escrito mais sobre o nada do que sobre o resto que o rodeia. Há relatos de matemáticos que se fecharam durante anos em laboratórios calculando o número. O número. Mágico, o número mágico. As possíveis combinações de palavras que podem acontecer numa língua. Em que língua? Interessa? Há uma dedicação infantil dos linguistas ao credo da gramática universal. Vamos acreditar portanto no deus Chomsky. Há uma língua universal e um número limitado de combinações possíveis de palavras dentro de uma frase, uma quantidade definida a priori de frases juntando-se para formar um texto. É normal que se escreva muito sobre nada. Como também é natural que escreva sobre as relações humanas, mais cedo ou mais tarde teria de acontecer. Apesar de pouco sabermos de nós próprios, fazemos questão de conhecer quem nos rodeia. Nem no solipsismo, a nossa segunda pele, estamos sossegados. Inventamos existências para os outros, recriamos combinações possíveis de palavras de modo a formar frases que se distanciem o mais possível da realidade. Realidade é o que excede o nada que se forma no centro da gramática; tem carne e matéria e sentimentos, ainda que estes apenas se possam erguer do caos material com a ajuda da gramática. Imagens? Dispersão dos sentidos em torno de um tema menor, variações sobre a crença numa divindade que substitua a contento as antigas. Não precisamos de Deus, observamos os quadros nos museus; a metafísica exige pouco: um ou dois frames de Tarkovski brilhando numa sala escura ou três movimentos de câmara de Hitchcock, dez segundos de Mahler ou um verso cantado por Morrissey; o silêncio e o suspiro antes de Jeff Buckley começar a cantar o Hallelujah.
E depois escrever sobre isso.

[Sérgio Lavos]

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