14/06/08

Fernando Pessoa

120 anos depois, querem que Fernando Pessoa renasça.
Aquela ideia vaga de que as novas gerações não se interessam pelo património literário português, o lamento comum dos mais velhos, traz sempre no grão da voz o fio da mesquinhez; cada vez mais acho que a nossa geração foi esquecida pelas que nos precederam, a história de sempre dos velhos a não quererem ser suplantados pelos novos. Numa sociedade envelhecida, a ameaça, ao contrário do que acontece no livro Diário da Guerra aos Porcos, de Bioy Casares, é dirigida a quem luta para ser integrado num mundo que não está preparado para abdicar dos direitos adquiridos ao longo de décadas. Um mundo de velhos invejosos, ciosos dos feitos acumulados ao longo de um tempo no qual a juventude era ainda um conceito respeitável, sinónimo de esperança e liberdade.
Pessoa, o nosso mais universal escritor, o único do panteão dos Grandes, é um capítulo da matéria do secundário que a maior parte dos estudantes ultrapassa com bastante dificuldade. Incompreensível, de resto; a aura pop do poeta nunca foi suficientemente explorada pelos professores de Português, que de resto pouco sabem de matérias como a revolução contracultural, a geração beat ou o movimento punk - e o que sabem, sabem mal, folcloricamente. O meu exemplo pessoal é uma constatação evidente deste facto: os meus hábitos de leitura, sistemáticos e apaixonados, foram esbarrando em sucessivos professores que não sabiam nem se interessavam em saber mais do que o mínimo necessário de gramática e escansão e metrificação de poemas (a matemática da poesia), interpretações redutoras retiradas dos prefácios de António Quadros para as obras de Pessoa e sentidos únicos para as palavras que ditavam nas aulas. Apesar do 25 de Abril, nunca senti a liberdade na sala de aula. Apenas quando cheguei ao 12º ano se desmoronaram os esquemas rígidos que fui encaixando ao longo dos anos. A professora Amélia Pinto Pais (que, de resto, tem um blogue dedicado à poesia) foi a excepção ao estado de coisas vigente.
Mas as palavras de Pessoa continuam vivas, musicadas por cantores de hip-hop, num projecto que irá ter um disco em Setembro, de acordo com a reportagem que ontem foi publicada no Ípsilon. Pessoa hip-hop, disse? Excelente ideia (de Ricardo Gross, funcionário da Casa Fernando Pessoa), como de resto os músicos que vão participar no projecto admitem; apesar das reticências iniciais de quase todos, reticências que só podem ser consequência das más experiências do Secundário, do contacto com o Pessoa sem vida que é ensinado na escola.
E Fernando Pessoa renascerá.

[Sérgio Lavos]

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