11/09/11

As novas gerações

Um dia iremos acordar falidos,
sem nenhuma hipoteca moral que nos salve
da ruína - e isto não é uma metáfora,
a bancarrota virá e seremos arrastados,
e o que diremos então dos passivos, desnecessários,
do amor e da poesia e das tardes cismando
nas acções por concretizar, a maré baixa
do rio ecoando fantasmas.

Esse dia, radioso, em que a necessidade dispensa o ócio;
a utilidade que o tempo edifica,
preencher os minutos, correndo de um lado
para o outro, construindo coisas mais reais do que a estupidez
da literatura, os seus ocasos verbais
imagens de um qualquer tédio – aí chegados, nós,
reminiscência de um tempo que os jovens
não recordarão – assim se orgulham de ser as novas gerações.

O dia - negro, furioso - erguer-se-á com homens a cair de prédios altos,
esse movimento descendente ressoando outros homens do passado,
e o símbolo fixar-se-á ao eixo temporal como um alicerce de aço: quando
um mundo acaba, homens matam-se para fugir à morte,
e não lamentaremos a ironia da desgraça - uma certa beleza
deflagra no momento em que no ecrã o corpo é um risco
no céu, uma mancha contra a cidade que se prepara para a derrocada
como se fosse uma velha actriz na sua última estreia.

Mas este dia, hoje, é límpido, agora, é límpido e claro;
choveu de manhã, é certo, mas a tarde irrompeu
como um insecto da toca, colocámos sobre os joelhos
a velha manta da melancolia, ligámos a televisão
e adormecemos a ver um filme romântico; chega-nos isso.
O crédito que nos proporciona a felicidade não sofre
das flutuações do mercado, seremos náufragos num mar de hipotecas
furadas, remando contra a corrente das empresas falidas; amarrados

a uma proa, a salvo da morte das sereias, actores de uma epopeia
suburbana que apenas deseja ser lida nos corredores
dos supermercados e nos comboios que regressam a casa.

Moral? Não nesta casa; a tarde, incurável,
não deixa que a noite se inicie. O ritmo familiar
é uma venda nos olhos - seguir, sempre, em frente.

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