02/10/06

Literatura

Vejo a multidão de editores que afirmam que se lê mais, sim senhor, e que por isso não é exagerado o número de livros que saem todos os meses em Portugal. Vejo os escritores da "geração Margarida Rebelo Pinto" ou a brilhar fatuamente em programas do "socialite" português ou então a ser apenas um nome na capa de um livro que sobrevive durante três meses nas livrarias - para cair no esquecimento. Vejo as editoras a multiplicarem-se em colecções, chancelas, parcerias, e o diabo a sete, mas não vejo livros melhores a serem editados. O lixo que todos os dias me passa pelas mãos encheria 100 bibliotecas de Alberto Manguel, entrevistado por Alexandra Lucas Coelho na revista Pública. Deste autor, de quem conheço apenas "Uma História da Leitura" - tão fundamental, de resto, como um livro da biblioteca imaginária de Borges - está tudo por editar, mas ninguém se incomoda. Os brasileiros, apesar do baixo nível de literacia, sabem mais do assunto do que nós. Traduzem tudo, desde o espiritualismo mais inútil até à obra mais intraduzível: O "Ulisses", de Joyce, por exemplo. Manguel, que não escreve numa língua propriamente desconhecida - em inglês, imagine-se - tem sido publicado lá pela Companhia das Letras - nos blogues tenho visto várias referências (sobretudo n'A Origem das Espécies) ao seu livro impossível (e sem fim à vista): "Dictionary of Imaginary Places", uma colecção de lugares inventados pela literatura.
Nas livrarias, o novo leitor entra e pergunta pelo livro do senhor que apareceu na televisão. "Sabe, aquele de que se fala agora". E o livro que o professor passa rapidamente à frente do ecrã. Interessa, não interessa? Manguel fala das escolhas do leitor - quando entra numa livraria ou biblioteca e tem à sua frente o objecto, pronto a ser tocado e mexido e lido e sentido até a decisão ser tomada. Mas existirá actualmente esta escolha? Se o novo público dos livros é esta horda de bárbaros que não distingue o esforço de um escritor de um peido de uma celebridade televisiva, então que a leitura continue a ser uma actividade elitista. Quem acaba por sofrer são os verdadeiros leitores, privados da edição daquilo que interessa em desfavor da próxima "besta-célere". E pensar que milhares de árvores são deitadas abaixo para produzir aberrações em forma de livro; se não fosse por mais nada, seria suficiente o sentido ecológico para defender este elitismo. A mortandade parece não ter limites.

[Sérgio Lavos]

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