23/09/25

O rio sagrado

Do lado esquerdo do rio
os dias são mais curtos,
pescadores de ilha em ilha
procuram conchas para matar
a fome.
 
Do outro lado do mundo
o sol rasura o céu
de outra maneira,
aqui a ponte serve de moldura
para a sua emenda,
e a noite vai-se embrenhando
nos braços areando
o fundo,
à procura de mais um dia.
 
Pescador de pele tisnada,
toma o ódio e transforma-o
em moedas para enviares
para o outro lado do mundo,
bem podem gritar
contra o teu corpo,
no teu rosto,
nada te demoverá.
 
No teu passado
egrégios avós
escravos que à distância
te trouxeram aqui,
procuravam no lodo
a verdade, uma só,
que lançaram ao mundo.
 
“Isto é Portugal! Isto é Portugal”,
vomitam os celerados,
herdeiros dos senhores de outrora –
o rio regressa da foz à nascente,
e tudo se repete, eternamente.
 
Portugal também és tu,
que estás aqui agora,
e fazes do ódio beleza,
talvez nada reste mais neste dia,
mas é teu.

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