Não sei, e sinceramente não me interessa saber, se a opinião pública dos países civilizados de que nos vamos irremediavelmente afastando tem a mesma simpatia que a nossa em relação aos artistas, essa fauna de lunáticos, abstractamente ociosa, que apenas consegue reunir forças para sacar o subsidiozinho da ordem ao Estado matriarcal, sempre pronto a deitar a teta de fora. Estarei errado, exagero? Julgo que não, e se ainda não consegui captar a atenção de quem por aqui passa para este texto, será apenas por manifesta insuficiência do estilo. Explicarei: do proletário mais aferroado ao burguês mais bem instalado no seu conjunto de créditos, ninguém escapa; "cambada de chupistas! Horda de preguiçosos e inúteis que se limita a mimar umas coisas para outros como eles, enquanto o resto do pessoal se esfalfa a trabalhar 40 horas ou mais por semana para conseguir pagar as prestações e os luxozinhos burocráticos!" O intelectual liberal - no novo significado da expressão, muito distante das velhas esquerdas de outros tempos ou dos "extremistas" americanos - segue a manada: toca de picar o morto. Que o mercado se rege por leis muitos simples e que por isso a cultura nunca deixará de existir, ainda que não existam subsídios; que uma cultura parasitária não é independente do poder que a sustenta - e o legado de Carrilho assim o prova; que a pouca criatividade e a estagnação da maior parte das áreas culturais no país são uma consequência directa da estatização das artes. Tudo claro, certo? Lamento, mas errado. A desconfiança em relação aos artistas é das mais provincianas atitudes que este país tem. Desde o taxista de palito no dente ao intelectual de direita, bem lido e melhor informado, ninguém escapa. Divaguemos um pouco. E se, por acto divino, desaparecessem de um momento para o outro todos os artistas deste país, toda a medíocre criação dos medíocres artistas que temos. Ao taxista tanto se lhe dá como se lhe deu. A ele basta o copito, a bola e a cultura da violência doméstica. E o intelectual de direita, o que fará? É verdade que ainda pode ler a imprensa internacional e a literatura em língua estrangeira, mas, miseravelmente, ficará órfão do seu objecto de maledicência, não dos espectáculos em si, porque esse ele não os frequenta (quem quer saber de dança contemporânea, performances paradas ou instalações em movimento, quem se interessa pelo teatro independente, aliás, quem quer saber de teatro, tirando as companhias consagradas?). A falta que lhe farão os artistas parasitas! Porque, não se duvide, falamos de política, não de cultura. E, já se sabe, má-sorte a maior parte destas criaturas ser de esquerda - e falo, não esquecer, dos artistas que parasitam o contribuinte sem dó nem piedade.
Irrita-me o provincianismo português, e mais ainda aquele que se dá ares de cosmopolitismo anglo-saxónico. Pois se é verdade que nos E.U.A. não existe cultura subsidiada e nem por isso deixa de haver lugar para a diversidade criativa no país, também é verdade que, por exemplo, no Reino Unido grande parte das companhias de teatro são subsidiadas, o que contradiz aquela ideia de que a arte dependente de dinheiros públicos não é estimulante. O facto de, por exemplo, o teatro isabelino ter florescido graças ao apoio do Estado será coincidência? E Harold Pinter, terá trabalhado toda uma vida para companhias independentes?
A generalização, enfiar todos os artistas no mesmo saco, leva a que não se discuta os problemas de um modelo altamente dependente do apoio público. A Rui Rio pouco importa se os gestores privados do espaço produzem ou não uma oferta cultural de qualidade. Quer apenas cortar nas despesas, e falamos de um espaço emblemático da cidade. Poderão os portuenses que se interessam dar-se ao luxo de perder tanto por tão pouco - o inenarrável Rio?
[Sérgio Lavos]