28/01/13
27/01/13
O próximo Outono
O diário de João Miguel Fernandes Jorge foi escrito com um objectivo temporal concreto: de Outono a Outono, pouco mais de doze meses passados a preparar uma exposição de Pedro Calapez. Exercício diarístico singular: a determinada altura, o autor confessa que tem pouco jeito - ou apetência - para o confessionalismo do género. As iniciais escondem as pessoas que vão passando pelo diário, os lugares mencionados são apenas os que existem fora da vida do autor - há uma porta fechada sobre a intimidade e há um silêncio sobre psicologismos e intenções. A vida interna de JMFG é cifrada e reflectida no que lhe vai acontecendo. A história do monge e do ruivo - uma tentativa ficcional respirando fora do papel - vai-se diluindo ao longo do tempo, mas enquanto existe aproxima o autor de uma verdade pessoal. A ficção é o que de mais próximo sentimos do real a que o autor vai escapando. Isso e as entradas de diário ensaísticas, sobre a exposição de Calapez ou sobre quadros e museus que vão sendo visitados. Há uma aproximação ao cinema através de Vermeer: o filme Rapariga Com Brinco de Pérola é um pretexto para falar do pintor holandês. Também se encontra poemas, sempre sinalizando um ponto no percurso - mental mas sobretudo geográfico. Um ano na vida de um poeta e crítico de arte, um ano preparando o tempo que vai passar. Ao fim desse tempo, projecto acabado, e conhecemos menos o autor do que antes de lermos o seu diário? Talvez não interesse: o que é publicado é literatura, a vida não cabe em letra de forma.
Nel mezzo del camin
Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
23/01/13
Figuras de estilo
As metáforas e as analogias ajudam-nos a compreender o que é impossível de entender de forma literal. William Styron, no seu relato sobre a depressão Darkness Visible, fala de uma dor na mente para descrever esse processo de descida ao Inferno, a doença da existência. Como a mente é o único instrumento que temos para compreendermos as razões de sermos no mundo (dasein), como poderemos nós chegar a essas razões recorrendo a um instrumento danificado? É uma questão prática (e podemos utilizar uma vez mais a metáfora): é usar um microscópio com uma lente desfocada na descoberta de uma bactéria nociva à vida. Nada encontraremos se olharmos pela lente errada. E nada conseguiremos fazer para remediar o defeito apoiados unicamente na razão. A resposta está noutro lado.
21/01/13
Cães pretos
Os antigos falam dos cães pretos que assombram as aldeias. Encarnações do diabo; se alguém pegar neles, sentirá um peso absurdo, muito além do que seria de prever. Seguem os homens pelos caminhos, espreitam nas esquinas, escondem-se na escuridão. Requerem vigilância permanente, cuidados, precauções. A quem não cuidar, aparecem, e atiram-se às sombras que a alma projecta. Não devemos, nunca, descansar.
17/01/13
Os anos
Tentamos evitar as dores, a mágoa, o sofrimento, mas não resistimos aos anos. Aos que nos vergam e abatem, que repassam e nos assombram as noites, aos que fazem nascer a angústia clara do que vem. Quantos foram, quantos serão, quantas vezes mais iremos estar com aquele amigo, que sobressaltos surgirão no caminho, que antecipação. As marcas alastram como a humidade nas paredes de uma casa, corroendo os alicerces. Seremos um território de cicatrizes. O consolo é breve, impregnado de melancolia. Tudo parte, e se parte.
16/01/13
Argo
Ben Affleck confirma ao terceiro filme ser mais realizador do que actor. Argo não é uma obra-prima, mas há cinema por ali, e sobretudo alguma bastante louvável cinefilia. Não só pela evocação de Hollywood a que a história obriga, mas também pelas citações que Affleck faz, a filiação no lado luminoso da força. Cinema político dos anos 70, na linha das experiências na realização do amigo George Clooney, mas filmado com mais nervo e certeza do que este, revelados sobretudo no domínio do suspense - a sequência final, suportada por uma montagem paralela tão nervosa quanto precisa, é exemplar, mesmo se às custas de alguma verosimilhança. E há ali qualquer coisa que poderá levar a que os próximos esforços sejam ainda mais efectivos. Clint Eastwood é único, mas há histórias que se podem repetir.
08/01/13
04/01/13
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