Um livro que tem como ponto de partida o pensamento de David Foster Wallace, Moby Dick e os textos homéricos seria sempre um empreendimento gerador de interesse, sobretudo quando é escrito por dois professores de filosofia, um especialista em Heidegger e outro em fenomenologia. Um Mundo Iluminado consegue cumprir expectativas, sobretudo para quem, como eu, não espreitara qualquer referência ou crítica nos jornais.
Ler os clássicos para encontrar sentido numa era sem deus. O crescimento do domínio de influência das chamadas obras de auto-ajuda levou a que gente respeitável escreva textos que facilmente se poderão confundir com uma área das livrarias vedada a quem tenha o mínimo respeito por si próprio. Alan de Botton sofre do mesmo mal ou da mesma vontade de destruir três mil anos de pensamento ocidental, transformando a complexidade do pensamento filosófico num pudim light para o grande público. O mínimo denominador comum para o máximo público, eis um desejo que tanto pode ser digno como uma fraude filosófica. Mas, abençoados pelo pedagogismo de Sócrates, estes pensadores conseguem explicar ideias complexas sem destruir o pensamento original nem desvirtuar a essência dessas ideias.
A técnica de Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly é simples, sem deixar de provocar alguma surpresa: extrair de alguns textos literários, clássicos e contemporâneos, meios de enfrentar um mundo que teve de enfrentar, com uma simples frase de um filósofo, a morte de Deus. Discutir se Nietzsche se limitou a confirmar o diagnóstico não cabe nem aqui nem no livro de Dreyfus e Kelly, mas ninguém poderá recusar a ideia de que algo mudou com a frase assassina do filósofo alemão.
Como chegou a humanidade àquele ponto e o pensamento filosófico àquele cúmulo? Partindo das obras homéricas, no panteísmo dos deuses da Natureza e do Destino que conduziam as acções dos homens e dos heróis, passando pelo retrocesso humanista da Idade Média - a ideia é claramente defendida pelos autores - até desembocar na demanda insana de Ahab, o livro pretende criar um plano para resgatar o ser humano da solidão niilista em que vive.
Os autores terem conjurado as ideias de Foster Wallace para simbolizar essa deriva sem solução foi uma excelente decisão: as ideias são um vinho de aroma requintado ao gosto da burguesia perdida, a que procura uma nova poiesis num mundo dominado pela técnica. O escritor norte-americano parece ter perdido, ou então terá levado demasiado a sério a única questão filosófica de Camus. Mas este livro sobrevive. Um artefacto.